Estórias de Cada Um

VILARINHO

Uma imagem contendo pessoa, homem, em pé, pessoasDescrição gerada automaticamente Homem sentado com óculos de grau Descrição gerada automaticamente

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Resgate dos brasileiros refugiados da guerra de Angola, na Mina de Diamantes de Luzamba, em 02 de novembro de 1992, efetuado por aeronaves Hércules C130 da Força Aérea Brasileira.

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30 de outubro de 1992, uma sexta feita bem quente em Luzamba, região do Cuango em Angola, distante 630 km da capital Luanda. O projeto de exploração diamantífera da Odebrecht que vinha a pleno vapor tinha dado uma reduzida desde quarta-feira. A Odebrecht tinha assinado, em meados de 1990, um contrato com o Governo Angolano, através da ENDIAMA – Empresa Diamantífera de Angola, para exploração de diamantes na mina de Luzamba. E eu estava neste projeto desde a preparação da proposta em início de 1990. Com um efetivo de mais de 4.000 trabalhadores, com 2.800 locais, da tribo Chokwe e mais uns 1.200 expatriados, sendo 600 angolanos de Luanda, 500 brasileiros e 100 outros de diversas nacionalidades, Americanos, Ingleses, Sul Africanos, Portugueses, etc., a Odebrecht estava, há quase dois anos, extraindo diamantes na mina de Luzamba. A situação política de Angola estava relativamente tranquila, desde o acordo de paz efetuado em 1990, que pôs fim a 15 anos de guerra civil. O Partido do governo MPLA- Movimento Popular para Libertação de Angola liderado por José Eduardo dos Santos e o Partido da oposição UNITA – União Nacional para Independência Total de Angola liderado por Jonas Savimbi, que combateram entre si pelo poder, desde a independência de Angola dos portugueses em 1975, vinham cumprindo o acordo e “aparentemente” a paz havia sido alcançada. No acampamento da mina, já há alguns dias que os trabalhadores locais estavam agitados e falando que a UNITA iria retomar a guerra. Esse clima de insegurança se instalou no canteiro. Era conhecido de todos a forma como a UNITA atacava e as barbaridades que fazia. Na noite anterior, quinta-feira à noite alguns gerentes foram chamados para uma reunião e recebemos a informação de que a UNITA havia iniciado ataques no interior, Cafunfo (localidade a uns 50 km de Luzamba) já havia sido tomada pela UNITA e que, provavelmente chegariam a Luzamba na sexta feira dia 30 de outubro. Não havia como evacuar todos os 1200 trabalhadores expatriados em um dia. E se fosse iniciada a evacuação haveria 2 pânicos entre os trabalhadores angolanos e a situação seria incontrolável. Situação similar já havia acontecido na obra da Usina de Capanda, onde os trabalhadores angolanos ficaram fora de controle. Ficou decidido que o melhor era esperar que a UNITA invadisse o acampamento para então negociarmos a evacuação dos 1200 colaboradores. E, é claro, tínhamos que manter segredo sobre o assunto, para não termos uma revolta no canteiro. Ficou definida também a equipe responsável por coordenar a negociação com a UNITA e a evacuação dos trabalhadores: Alexandre Rocha Gerente Administrativo, na liderança da equipe, Coronel Motta Gerente de Segurança, Pero Chaves Gerente da Produção, Caique Gerente de Equipamentos e eu Ricardo Vilarinho, Gerente de Telecomunicações. Durante todo a sexta feira, sem que os trabalhadores percebessem, fomos enviando para Luanda todos os Diretores e funcionários graduados angolanos da Endiama. Normalmente eles já iam na sexta feira ou no sábado e voltavam na segunda feira. Nós tínhamos que retirar logo esses angolanos, pois sabíamos que a UNITA quando atacava uma instalação matava todos os funcionários graduados do Governo. E realmente ocorreu o previsto. Nessa sexta-feira à tarde, lá pelas cinco horas a UNITA invadiu o acampamento. Foi um tiroteio infernal. Muitas rajadas de metralhadoras e também explosões de morteiros. Os trabalhadores angolanos fugiram e alguns brasileiros que estavam fora do acampamento fugiram para a selva e nós nos refugiamos dentro da Guest House, uma construção de alvenaria, com 20 quartos, cozinha, refeitório e área de lazer. A Guest House era o alojamento dos Gerentes e Coordenadores, e não foi atacada pela UNITA, ficando apenas cercada pelos guerrilheiros. Nesse instante eu consegui contato com Naim Cardoso, que estava coordenando a evacuação em Luanda, usando a estação INMARSAT instalada na Guest House, e passei a informação que a UNITA estava nos atacando. Um grupo de guerrilheiros parou na entrada da Guest House e ameaçou entrar. Ficamos apavorados porque, se eles entrassem, poderia haver gritaria e correria dentro da guest house e ocorrer uma tragédia. Pedro Chaves, Alexandre Rocha e eu saímos para conversar com o guerrilheiro. Enquanto Alexandre e Pedro conversavam para tranquilizar o guerrilheiro, algo foi dito, que não me lembro, mas que azedou a conversa. Nisso um deles deu um tiro na nossa direção, que 3 pegou bem perto do Alexandre Rocha. Ficamos paralisados. Não passava nem peido ensaboado. Depois de uns minutos, que pareceram horas, eles se deram por satisfeitos de que não havia nenhum “inimigo” entro da Guest House, e seguiram adiante. Depois de mais de uma hora de tiroteio a situação acalmou-se e ficamos aguardando que o Comando da guerrilha viesse conversar conosco para negociarmos a evacuação. Depois de algumas horas chegou o comandante da UNITA, que tinha liderado a tomada de CAFUNFO. O sujeito chegou ameaçando todos os brancos, brasileiros ou não e todos os angolanos que não eram da UNITA. Assustados fomos eu Alexandre Rocha e Pero Chave conversar com um Coronel da UNITA, que não me lembro o nome para expor a situação e pedir providências. O Coronel simplesmente disse que não tinha controle sobre os guerrilheiros, e que era para tomarmos “cuidado”. Depois surgiu o tal Coronel que queria matar todo mundo, era o comandante da UNITA na região: Coronel Fúria Negra, que chegou ao alojamento e chamou o “comandante” dos brasileiros. Alexandre Rocha se apresentou e fomos eu, Motta, Pedro Chaves e Alexandre Rocha e mais uns cinco oficiais da UNITA conversar no refeitório. O Cel. Fúria Negra nos deu um dia para evacuarmos o acampamento. Falamos que era impossível, pois a retirada teria que ser de avião, e éramos 1200 homens a serem evacuados. Ele disse que não éramos 1200, mas somente 600 estrangeiros a serem retirados do acampamento. Falamos que tínhamos também 600 angolanos de Luanda que deveriam também ser retirados. O Coronel disse que não era necessário evacuar angolanos, pois eles não eram estrangeiros. Ficamos espantados com o conhecimento dele sobre o nosso efetivo, e sabíamos que se deixássemos os 600 angolanos de Luanda no acampamento da mina eles seriam assassinados pela UNITA. Alexandre Rocha então falou que era responsabilidade da empresa evacuar todos os trabalhadores oriundos de fora da região do Cuango, e que ou saíamos todos ou não sairia ninguém. Ficou um clima de muita tensão na sala. Mais uma vez, com os esfíncteres totalmente retraídos ficamos impávidos com a cartada do Alexandre Rocha. Nós sabíamos que a UNITA queria que saíssemos o mais rápido possível do acampamento, pois tinha interesse em explorar a mina. Afinal de contas 4 diamantes representam dólar, e dólar representa aquisição de armas. Tínhamos também a convicção de que a UNITA não iria massacrar brasileiros em Angola, pois isso provocaria um desgaste internacional muito grande e que poderia inviabilizar qualquer eventual apoio internacional à UNITA. Pois bem, depois de algum tempo o Cel. Fúria Negra concordou e nos deu dois dias para evacuarmos do acampamento todos os 1200 colaboradores, angolanos e estrangeiros. Começamos então o programa de evacuação que havíamos elaborado no dia anterior. Embarcaríamos primeiro os colaboradores mais expostos: as mulheres, os estrangeiros não brasileiros, os angolanos de nível de técnico e superior (pois estes são os mais visados pela UNITA) e também os colaboradores brasileiros enfermos ou mais “descontrolados”. O Hércules C 130 é uma aeronave que carrega 20 toneladas de carga ou 80 soldados preparados para combate. Com isso planejamos colocar, pelo menos, 200 pessoas em cada aeronave. Cada colaborador só poderia levar uma bagagem de mão de 5kg. A preocupação maior era com espaço na aeronave, pois peso não seria problema. Tínhamos um C 130 da Transafrik (empresa que nos dava suporte aéreo para transporte de carga) taxiado na pista de pouso e embarcamos nesta mesma noite de sexta feira os colaboradores prioritários. Colocamos perto de 200 pessoas nessa aeronave, todos amontoados e em pé. Como não havia iluminação na pista de Luzamba havíamos colocado no dia anterior tambores com óleo, ao longo da pista, para fazer a iluminação da mesma para eventuais pousos e decolagens noturnas. Nem acendemos os tambores de óleo, e o C130 rolou na pista, decolou com relativa facilidade e seguiu para Luanda. Ficamos muito apreensivos quando o avião decolou porque escutamos muitos tiros vindos dos arredores da pista de pouso. Concluímos que os guerrilheiros estavam atirando na aeronave e isso era péssimo para nós. A noite de sexta feita feira foi muito tensa. Todos os trabalhadores brasileiros e alguns angolanos se amontoavam na Guest House ou nas casas de alvenaria que existia na Vila de Luzamba, e havia quase uma situação de pânico, pois escutávamos tiroteios e explosões a noite toda. Depois ficamos sabendo que a UNITA continuará atacando as populações vizinhas a Luzamba. 5 Fizemos uma contagem e éramos pouco mais de 500 pessoas no alojamento. Imaginamos que com três C130 conseguiríamos evacuar todos. Ocorre que no dia seguinte, sábado, na frente da Guest House havia mais uns 500 trabalhadores. Todos sentados no chão e rodeados por guerrilheiros armados de metralhadoras e apontadas para eles. Eram os angolanos de Luanda e alguns brasileiros, que, na hora da invasão na noite anterior, tinham fugido para o mato ou se escondido em outras áreas do acampamento, e agora tinham retornado. A situação se complicou muito, pois precisaríamos de uns seis ou sete voos de C130 para poder evacuar todos. Nesse sábado de manhã, tivemos uma reunião com o Comandante da UNITA, informamos que os soldados haviam atirado no C130 na decolagem da noite anterior e o Cel. Fúria Negra disse que daria a ordem para que não atirassem nas aeronaves de resgate. Conseguimos também autorização para que alguns colaboradores saíssem da área da Guest House para pegar suas coisas nos outros alojamentos (trailers e containers). Junto com Carvalho e Reginaldo, dois técnicos da minha área, fomos verificar as instalações de comunicações. Os guerrilheiros tinham depredado quase tudo. Por todo o acampamento era uma destruição total. Porém, reparamos que o container metálico da estação HF SSB estava intacto. A porta do container ainda estava trancada com o nosso cadeado. E nós tínhamos a chave. A frequência de HF é a ideal para contatarmos os aviões que viriam nos resgatar e saber o horário certo do pouso, o que seria fundamental para coordenar a evacuação. A antena do rádio HF SSB é um dipolo. Um cabo que sai do equipamento e, na altura dos postes se divide em dois, formando um “T”, com uma ponta presa em cada poste. Os guerrilheiros não perceberam que era uma antena e que se tratava de uma estação de rádio comunicação. Além desta estação HF tínhamos conseguido esconder, dentro do meu quarto na Guest House, uma estação portátil de comunicação satélite INMARSAT. Esta estação consistia de uma maleta e uma antena parabólica de 80 cm de diâmetro. A maleta ficava escondida embaixo da cama e na parabólica colocávamos roupas em cima, para que parecesse uma bacia. Quando não havia nenhum guerrilheiro dentro do alojamento ligávamos o equipamento com a parabólica dentro do quarto e apontada para o satélite através da janela. Aliás, meu quarto foi o escolhido para esconder o equipamento justamente porque a 6 janela dava boa visada para o satélite INMARSAT. E através desse equipamento conseguíamos falar com outra estação INMARSAT na sede da Odebrecht em Luanda. Nós tínhamos também uma estação INMARSAT reserva que ficou escondida em outro quarto e só seria usada caso a UNITA descobrisse a primeira. Fomos informados por Luanda que dois Hercules da Transafrik tinham saído de Luanda e vinham nos resgatar. Através da estação HF SSB conseguimos contatar com as aeronaves e confirmar os horários corretos de pouso de cada aeronave. A pista de Luzamba tinha 900 metros de comprimento e em cada cabeceira uma área circular para manobra das aeronaves. Após cada cabeceira havia taludes com desnível de uns dez metros. Se alguma aeronave furasse a pista iria cair no barranco. Não havia área de escape. Informamos ao Comandante da UNITA que os aviões vinham resgatar o pessoal, e conseguimos autorização para pouso. Fizemos uma fila dupla de aproximadamente 100 pessoas em cada lateral do talude contrário a cabeceira de pouso para, assim que a aeronave fizesse o retorno, todos entrassem no C130 pela porta traseira. E funcionou perfeitamente. Como não tinha vento, as aeronaves pousavam numa direção e decolavam na direção oposta. Com isso as aeronaves pousavam e quando iam fazer o retorno no fim da pista na área de manobra já abriam a porta traseira e todos entravam e se amontoavam dentro da aeronave e a mesma partia em decolagem. O avião ficava parado menos de três minutos na pista. E assim, naquela manhã de sábado evacuamos quatrocentos e poucos trabalhadores nas duas aeronaves. Porém as decolagens foram muito tensas, pois mesmo depois de ter avisado ao Comandante da UNITA os guerrilheiros que estavam no mato continuavam atirando nas aeronaves C130 depois da decolagem. Ainda tínhamos pouco mais de 500 homens para evacuar, e com mais três voos da Transafrik conseguiríamos retirar todos. Ficamos aguardando essas duas aeronaves retornarem, para continuarmos a evacuação. Aí surgiu o maior problema. Em contato com Luanda, via estação INMARSAT, ficamos sabendo que não haveria mais voos da Transafrik. A empresa recusara-se a fazer mais voos para Luzamba devido aos tiros que as aeronaves estavam recebendo nas decolagens, pois isso poderia provocar um acidente fatal. 7 O bicho pegou. Ficamos sem quaisquer informações sobre o que deveríamos fazer. Não havia mais tantos tiros como no dia anterior, mas a indefinição sobre os voos de resgate deixava a turma em pânico. Alguns já estavam à beira da histeria. Ali eu aprendi a diferença entre o valente e o covarde. “O valente consegue controlar o medo, o covarde não. Mas ambos têm um medo terrível quando em uma situação de perigo extremo”. E é muito difícil não entrar em pânico. Tem que se controlar muito. Nessa hora é que a fé em DEUS ajuda bastante. A noite de sábado foi horrível. Ainda havia alguns tiroteios, mas esparsos. Porém não ter definição de como sairíamos do canteiro era uma situação muito estressante. Poucas pessoas sabiam desse problema. Nós procuramos evitar divulgar para os colaboradores, justamente pra não haver clima de pânico. No domingo de manhã recebemos uma boa notícia de Luanda. Dois Hércules C130 da Força Aérea Brasileira iam cruzar o oceano atlântico e vinham nos resgatar em Luzamba, com pouso previsto na segunda feira pela manhã. Nós deveríamos, no período da tarde quando os C130 da FAB já estivessem sobre o oceano, tentar contato via rádio HF SSB para confirmar que as aeronaves estavam a caminho. E assim fizemos. Lá pelas quatro horas da tarde, eu e Ricardo Carvalho conseguimos entrar no container da estação Rádio HF SSB, sem que a UNITA nos visse, e começamos a tentar o contato com as aeronaves. A senha para o contato era “DELMAR”. Nota: Delmar Siqueira Rodrigues era o Diretor Geral da Odebrecht no Projeto Luzamba. Após mais de uma hora tentando contato sem sucesso entrou na frequência um piloto de um DC10 da VASP informando que estava nos recebendo e que as aeronaves da FAB também estavam nos recebendo, mas nós não conseguíamos escutar a comunicação de retorno das aeronaves da FAB. O DC 10 estava entre nós e os C 130 da FAB e conseguia escutar as duas transmissões. O nosso equipamento HF SSB era um SKANTI Sueco de 400 watts de potência de transmissão, e os rádios HF SSB dos C130 da FAB era de 100 watts de potência. Por isso nós conseguíamos alcançá-los e eles não chegavam até nós. 8 O piloto da VASP propôs fazer uma ponte de comunicação entre nós. E assim conseguimos combinar como seria a evacuação. Os C130 da FAB pousariam em Luzamba ao nascer do sol (06:10hs) aproximadamente. Após o fim da transmissão com os C 130 da FAB o Comandante do DC 10 da VASP disse que estava indo para Angola recolher os refugiados brasileiros que estavam no aeroporto de Luanda, mas que não estava recebendo retorno da torre de controle do aeroporto de LUANDA, e perguntou como estava a situação no aeroporto. A Odebrecht tinha contratado diversos voos da VASP para fazer o resgate dos seus colaboradores em Angola. Informei que nós estávamos em Luzamba, a 600 km da capital Luanda, mas que tínhamos outro meio de comunicação com a nossa sede em Luanda e que eu iria contatá-los e retornaria na frequência de HF em 20 minutos. Fomos até a estação INMARSAT e falamos com Luanda. Recebemos a notícia de que a situação na Capital estava muito feia, que a UNITA já havia tomado o aeroporto de Luanda, o combate entre as tropas do governo e os guerrilheiros estava muito acirrado na região do aeroporto e que não havia mais refugiado em Luanda. Todos os brasileiros que estavam no aeroporto de Luanda tinham sido transferidos de madrugada para Brazzaville no Congo. Retornamos a estação HF e contatamos o DC 10. Assim que chamamos o piloto contestou a comunicação e disse que não precisava mais da informação, pois já tinha recebido a autorização da torre de controle de Luanda para pouso no aeroporto, e que já estava em aproximação. Falei para o piloto: NEGATIVO, não pouse em Luanda, a torre de controle já foi tomada pelos guerrilheiros da UNITA. Quem deu autorização para pouso foi o “inimigo”. Se pousar a aeronave ficará refém da UNITA, isso se não ocorrer nenhum acidente durante o pouso, pois o tiroteio estava muito intenso na área do aeroporto. Não havia mais refugiado no aeroporto de Luanda. Os brasileiros foram remanejados para Brazzaville no Congo. O DC 10 deveria ir para lá. O piloto respondeu: AFIRMATIVO, vou comunicar ao outro DC10 que está vindo atrás e seguimos para Brazzaville. Obrigado, boa sorte e câmbio final. O DC 10 da VASP já estava na aproximação para pouso em Luanda. Se nós tivéssemos atrasado alguns minutos talvez o avião tivesse pousado e a história seria outra. 9 As aeronaves DC 10 da VASP foram para Brazzaville no Congo e resgataram os brasileiros que lá estavam. Bem, depois dessa fomos para o alojamento comunicar a boa nova para os colaboradores. No inicio da noite recebemos a informação de Luanda que as aeronaves da FAB eram camufladas e que o primeiro C130 da FAB deveria pousar no nascer do sol e o segundo logo depois que o primeiro decolasse. Nós já estávamos espertos em colocar 200 pessoas dentro de um Hércules em menos de três minutos. Tínhamos ainda um pouco mais de 500 homens para retirar do acampamento. Agora seria mais fácil porque estávamos com os colaboradores mais fortes. Tínhamos feito os embarques com prioridade para os mais idosos, mais fracos fisicamente, e os mais “apavorados” A noite de domingo, embora a terceira já sem dormir direito, foi a mais tranquila. Já não havia mais muito tiroteio à noite, e nós tínhamos a certeza de que sairíamos no dia seguinte. Tivemos uma reunião com o Comandante da UNITA, nesse domingo à noite, e informamos que viriam dois aviões militares C130 da Força Aérea Brasileira, que estavam com pintura camuflada, e que pousariam no período da manhã. Não dissemos, propositalmente, que seria ao nascer do sol. A ideia era carregar pelo menos o primeiro avião e decolar antes que a UNITA chegasse à pista de pouso. Pedimos ao Cel. Fúria Negra que, mais uma vez, ordenasse a seus homens para que não atirassem nas aeronaves, pois isso poderia representar uma declaração de guerra ao Brasil. E nenhum de nós queria isso. O planejado era embarcar o pessoal nos dois primeiros voos, no terceiro voo colocar todas as bagagens dos colaboradores, que estavam em um caminhão próximo à cabeceira da pista, e ficarmos para o quarto voo somente os coordenadores e o pessoal da segurança. Durante a madrugada preparamos os dois grupos que iriam embarcar nas duas aeronaves. No primeiro grupo colocamos todos os angolanos que restavam, porque o primeiro C130 iria pousar primeiro em Luanda para depois seguir para Windhoek na Namíbia, pois o aeroporto de Brazzaville não estava mais aceitando refugiados da guerra em Angola. E, às três horas da manhã fomos todos para a pista de pouso que ficava há uns mil metros da Guest House. Saímos sem fazer barulho, pois não queríamos despertar o pessoal da UNITA, 10 principalmente o comandante. Cruzamos com alguns soldados da UNITA no caminho, mas eles não questionaram nada. Preparamos o primeiro grupo, do mesmo jeito que estávamos fazendo, com duas filas de pessoas em cada lado do talude. O segundo grupo ficou também em filas duplas, um pouco mais abaixo. Assim que o primeiro grupo embarcasse o segundo grupo deveria tomar posição nos taludes, para embarque. E assim o pessoal ficou por mais de duas horas agachados e deitados no chão até o nascer do sol, que foi lá pelas 06:15hs. Dito e feito. Mal começou a clarear a segunda feira dia 02 de novembro de 1992 e escutamos ao longe o ronco dos motores dos aviões. O Primeiro C130 fez o pouso, rolou na pista e iniciou o retorno na cabeceira, já com a porta traseira aberta, e o pessoal foi entrando no avião antes mesmo dele parar. Aliás, acho que a aeronave não ficou quase nada parada na pista. Os colaboradores nem deram chance. Embarcaram com ela ainda em movimento. Como não havia vento nenhum a aeronave rolou na pista e decolou na direção contrária de pouso. Mal decolou e o segundo C130 passou por cima do primeiro e pousou na pista. Quando a segunda aeronave estava rolando pela pista, com a segunda turma de refugiados já posicionada no talude chegou a viatura da UNITA e com o Comandante Fúria Negra. O Homem estava uma fera. Disse que ia prender a segunda aeronave, que ia matar todo mundo. Foi um verdadeiro inferno. Mas o Alexandre Rocha conseguiu acalmá-lo dizendo que nós não sabíamos que hora o avião ia pousar e que os colaboradores estavam nos taludes desde as três horas da manhã, que coitados tinham dormido ao relento, etc. O C130 pousou, taxiou no fim da pista, e ficou parado na nossa frente com a porta traseira aberta. O Coronel da UNITA não autorizou o nosso embarque e ainda mandou que dois guerrilheiros entrassem na aeronave para ver se havia “armamentos”. Eu me apavorei, pois sabia que os militares da FAB poderiam estar armados, e a entrada na aeronave de guerrilheiros, maltrapilhos, sujos, mal encarados, armados com AK 47 e com o dedo no gatilho, poderia sair algum tiroteio. Uma coisa que eu já havia notado nos soldados da UNITA é que, quando andavam com a metralhadora empunhada, eles ficavam o tempo todo com o dedo no gatilho e quase sempre com a arma destravada. Isso é muito perigoso, pois 11 qualquer tropeção pode sair um tiro e a própria pessoa se ferir ou acertar outra. Só se coloca o dedo no gatilho quando for atirar. E também não se aponta a arma para ninguém, a menos que vá atirar. Aprendi isso nos tempos de Escola Preparatória de Cadetes do Ar dando tiro de fuzil, e eu sabia que os militares da FAB sabiam disso. Pois bem, entrei correndo na aeronave junto com os guerrilheiros gritando para a tripulação que eles só queriam conferir se havia armas na aeronave, que estava tudo bem e que não havia perigo. Os guerrilheiros foram até a cabine de comando da aeronave e eu subi junto com eles, falei com os dois oficiais que pilotavam o C130 que estava tudo tranquilo e que o pessoal ia embarcar logo. Os guerrilheiros saíram da cabine e a situação se acalmou. O embarque foi autorizado e o pessoal embarcou em menos de dois minutos. Com a aeronave parada é mais fácil. O C130 decolou direto para Windhoek na Namíbia. A previsão de voo de um Hércules C 130 de Luzamba até Windhoek era de quatro horas. Os C 130 deveriam retornar lá pelas quatro ou cinco horas da tarde. Com isso ficamos no aeroporto umas cento e poucas pessoas. Os coordenadores e a equipe operacional do plano de evacuação, alguns supervisores e mais o pessoal da segurança da Odebrecht. Havia também dois caminhões estacionados ao lado da pista de pouso com as bagagens de todos os colaboradores. Cada um tinha levado somente uma bagagem de mão de 5 kg. A ideia era embarcar na primeira aeronave toda a bagagem que estava nos caminhões e nós embarcaríamos na segunda aeronave. E foi isso que Alexandre Rocha avisou ao Cel. Fúria Negra. A UNITA decidiu que deveríamos esperar as aeronaves ali mesmo na pista e que não deveríamos retornar ao acampamento. Estava havendo muita movimentação de soldados no acampamento. O efetivo dos guerrilheiros havia aumentado muito, e nós não sabíamos o que estava acontecendo. O pessoal da segurança da Odebrecht ficou espalhado pela cabeceira da pista e nós ficamos na torre de controle, que tinha uns seis metros de altura e dava boa visão do acampamento, da pista e do entorno da área do aeroporto. 12 Lá pelo meio dia vimos alguns soldados tirando do pátio as máquinas que faziam a exploração da mina (retroescavadeira, pá carregadeira, trator, etc) cruzando a pista de pouso e indo para a mina. Eles já estavam iniciando a exploração de diamantes. Mas, surgiu uma dúvida atroz. Não lembro quem levantou o problema, mas ficamos todos muito preocupados. E se a UNITA tivesse a intenção de sequestrar uma aeronave da FAB? Pra fazer alguma exigência internacional. O Brasil tinha sido o primeiro país a reconhecer a independência de Angola em 1975 e reconhecer também o governo do MPLA, inimigo da UNITA. Bastaria que, após o pouso da aeronave eles colocassem uma máquina na pista. Pronto, ninguém mais decolaria. Ficamos remoendo essa dúvida até que, de repente, uma Pá Carregadeira Caterpillar 966 parou no meio da pista. Ficamos apavorados. Mas não fazia sentido. Se aquela máquina ficasse lá não haveria nenhum pouso. Será que eles queriam nos manter refém? Decidimos ir até lá ver o que estava acontecendo. Os C130 não poderiam posar com aquela 966 na pista. Chegando lá vimos o problema. O guerrilheiro não estava sabendo operar a máquina. Ela tinha travado e ele não conseguia colocá-la em marcha novamente. Estávamos ferrados. Nós já tínhamos embarcado todos os operadores de máquina. Quem iria tirar aquela desgraça da pista? Por sorte o Gerente de Equipamentos, Eng. Caíque, que fazia parte da equipe operacional de evacuação sabia operar o equipamento e tirou-o da pista. De volta na torre de controle a dúvida permanecia. Será que eles iram sequestrar um avião da Força Aérea Brasileira? Nós tínhamos avisado ao comandante da UNITA que no primeiro C130 iríamos embarcar as malas que estavam nos caminhões, o que levaria uns 30 minutos, e no segundo C 130 embarcaríamos as pessoas. Depois de muita discussão tomamos a seguinte decisão: Assim que o primeiro avião pousar embarcaremos todos nele, decolamos e abandonamos as malas. Somos pouco mais de 100 pessoas, dá pra embarcar em menos de um minuto. A aeronave nem vai precisar parar. E não vai dar tempo pro Comandante da UNITA chegar ao aeroporto, pois ele acha que a primeira a aeronave vai ficar estacionada por 30 minutos carregando as malas. Mas, nós vamos decolar logo. E ele devia estar na mina, que fica há uns 10 km da pista de pouso. 13 Precisávamos avisar aos C130 que bastava retornar somente uma aeronave. Mas, não tinha como ir até o container da estação HF, pois não podíamos sair do aeroporto. Então montamos a estação INMARSAT, que estava no meu quarto e tínhamos levado para o aeroporto, e conseguimos falar com a estação INMARSAT reserva que tinha sido embarcada para Windhoek. Com isso um C130 foi deslocado, se não me engano, para a Usina de Capanda, onde havia mais brasileiros refugiados. Devia ser umas quatro horas da tarde quando escutamos o barulho do Hércules da FAB. O pessoal se posicionou rapidamente em fila no talude, a aeronave pousou e mal fez a curva já com a porta traseira abaixada todos entraram rapidamente. Eu fui um dos últimos a entrar, e com a aeronave já rolando na pista para decolagem, vi, pela porta traseira que estava fechando, a viatura com soldados da UNITA vindo para o aeroporto. O C130 decolou. Eu sentei sobre a porta traseira que acabara de fechar e ficamos em um silencio profundo. Todos tinham medo de que os soldados atirassem no avião, e eles tinham morteiros. Depois de um tempo, quando já tínhamos certeza de que não haveria mais tiros, foi uma gritaria danada no avião. Uns riam, outros choravam, outros se abraçavam. De repente, vindo não sei de onde, surgiu uma garrafa de uísque na minha mão. Foi pelo gargalo mesmo. Tomei uns goles caprichados. Aí apaguei. Já estava há três noites sem dormir, sem banho e sem me alimentar direito. Acordei com o avião pousando em Windhoek. Saí do C 130, caminhei uns 100 metros e embarquei num DC10 da VASP. Levaram-me direto para uma poltrona na primeira classe, recebi um lanche da comissária comi e dormi antes mesmo do avião decolar. Acordei no aeroporto do Galeão com um Diretor da Odebrecht na porta do DC 10 dando as boas-vindas aos colaboradores. Ricardo Vilarinho

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Abraços Naim

Vc que coordenou essa zorra toda. E não perdemos nenhum colaborador.

Foi uma puta façanha. Dá pra escrever outro livro

Um dos colabores que me surpreendeu muito nessa situação toda foi o Perereca.

O cara conseguiu manter o controle de suprimentos (que era fundamental pois não tínhamos ideia do tempo que ficaríamos reféns).

Teve uma hora que eu pedi qualquer coisa pra pegar no contêiner de suprimentos. Aí o soldado da UNITA que estava tomando conta dos contêineres me disse. “Só com a aprovação do Sr. Perereca”.

Porra o Perereca não só controlou o material como ainda colocou a UNITA pra trabalhar pra ele.

Perereca tornou-se o colaborador mais importante do canteiro, pois sem ele ninguém tomava whisky

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