Estórias de Cada Um

PAULO RAMOS

 

Fuga de Luzamba.

Dia terrível.

Foram momentos de muita tensão.

Nada sabíamos sobre o modus operandis da UNITA e isto, nos colocava sob mais tensão.

Não se passaram 60 minutos após a conversa pelo rádio entre os homens da nossa segurança, quando outras equipes da Unita, invadiram nosso acampamento. Foi coisa de louco.

Depois, tivemos nossa decolagem à noite, com a pista iluminada por faróis dos carros.

A chegada em Luanda, foi maravilhosa. Fomos recepcionados com bala. A viagem do aeroporto para a vila do GAMEK, foi uma verdadeira roleta russa.

Foi só emoção.

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Eu vivi em Angola, no Projeto Luzamba, por apenas 1 ano. Mas, tenho quase certeza, que foi o ano mais intenso de todo o período da Odebrecht em Angola.

Em Luzamba, no ano de 1992, ano em que estive lá, não tivemos um dia sequer, que não fosse cheio de muita emoção.

Delmar formou uma grande equipe. Equipe de profissionais competentes, muito corajosos e que, sob sua sábia liderança, soube manter o foco e a motivação.

Batemos vários recordes de produção e se não houvesse a invasão e ocupação do projeto pela Unita, teríamos feito muito mais.

As estratégias de Delmar, daria um filme de como gerenciar equipes sob forte pressão e estresse.

O “galego” era diferenciado.

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Meu amigo Altair, eu cheguei em Luzamba como um bom jogador de snooker e saí de lá, me sentindo um fraquíssimo jogador. A culpa foi sua viu meu amigo. Nunca consegui ganhar umazinha hahahahaha. Me fez perder a autoconfiança no esporte hahahaha.

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Vocês já pararam pra pensar, se estivéssemos lá em Luzamba, e surgisse um corona vírus desse. Nossa senhora! Hahahaha. Quem não perdesse o juízo ficava louco

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Eu saí no primeiro voo.

Eu tinha acabado de “sarar” de uma fortíssima malária, inclusive, com complicações renais.

Depois do pessoal relacionado, eu pedi para me colocarem no voo, me justifiquei, fui compreendido e viajei exprimidinho e suando igual a cuscuz

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Foi em uma ilha. Não me recordo.

Paulo Lacerda havia de entregue alguns mil dólares para que eu pagasse o combustível das duas aeronaves. Abastecemos, eu paguei e seguimos viagem.

A tripulação dos DC-10, era composta praticamente por mulheres. Quando, ainda no pátio do aeroporto de Luanda, elas perceberam as balas caindo pra todo lado, entraram desespero, começaram a chorar e diziam que tinham sido enganadas etc.. Neste momento, os comandantes resolveram decolar e o fizeram, praticamente na vertical. Foi assustador

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Terrível foi a viagem de ônibus da vila para o aeroporto. O meu ônibus foi o último a conseguir chegar ao destino.

O de Baiardi, que vinha atrás, já não conseguiu passar.

Que grande líder! Baiardi foi pra guerra, acompanhar e dar moral a sua tropa

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Há uns cinco ou seis anos, no Panamá, Baiardi foi dar umas palavrinhas para jovens parceiros panamenhos e eu expliquei um pouco do ocorrido em Angola e pedi a Baiardi para falar um pouquinho sobre o tema.

Foi legal. Ele conversou bastante sobre sua experiência vivida

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Eu estava no meio da praça, de bermuda, sandália e camiseta cavada, organizando a relação com o nome dos brasileiros que trabalhavam comigo.

Eu estava de costas para o portão de entrada.

Nessa reuniãozinha, começaram a chegar angolanos que também trabalhavam comigo. De repente, eu só ouvi tiros que mais pareciam a fonte nova, numa final de campeonato entre Bahia e Vitória.

Os angolanos correram e entraram num conteiner. Eu os acompanhei. O tiroteio continuava firme. Eu me senti confinado e resolvi sair. Quando eu olhei pra frente, vi que alguém tinha colocado duas tábuas sobre aquela cerca navalha, e os angolanos vinham correndo sobre a tábua e pulavam pra fora. Eu os imitei e quando caí do outro lado, meu calcanhar foi direto numa pedra. Quase morri de dor, porque, a sandália tinha ficado pra trás. Todos saíram correndo pelo mato e eu, os segui caminhando num pé só.

Fui direto para casa de Fernando, angolano que trabalhava no setor pessoal.

À medida que eu caminhava, a dor no calcanhar direito, diminuía e todos os angolanos, coitados, tão perdidos quanto eu, me seguiam. Era um número grande de pessoas me seguindo. Talvez umas quarenta.

Chegamos na casa de Fernando, (casa nova, construída por Djean, uma das primeiras de muitas que seriam construídas pelo programa social do Projeto Luzamba), ele estava em cima de uma escada, dando uns retoques de pintura em uma das paredes.

O barulho dos tiros já estava bem menor, mas continuava e Fernando pintando a parede como se nada estivesse acontecendo.

Eu estava de bermuda e camiseta cavada e descalço. A sandália tinha ficado pra trás.

A atitude de Fernando era muito estranha. Mas, deixei pra lá. Conversei um pouco com ele, lhe expliquei que eu tinha tido uma malária muito forte e eu estava com o corpo desprotegido. Ele me arrumou um chinelo velho e um pedaço de lençol e me aconselhou a ir para próximo da estrada.

Eu não tinha ideia de qual teria sido o alvo daqueles tiros todos. Eu ficava imaginando, que muitos companheiros pudessem estar feridos ou até mortos. Era de enlouquecer.

Saímos da casa de Fernando e fomos para o Bala-Bala, por dentro do mato. A estrada passava por ali.

Chegando lá, de longe, já ouvimos gritos de comemoração pela invasão do nosso acampamento. Fiquei assustado, mas segui em frente. Chegamos e entramos numa biroscazinha, tomei um refrigerante, que foi pago por um dos angolanos que me acompanhavam e fiquei sentado ali, com mil ideias na cabeça.

A comemoração deles continuava e de onde estávamos para onde estavam comemorando, tinha uns cinquenta metros, se muito. De repente eu percebi que o barulho da comemoração, estava se aproximando de nós. Eu tomei a decisão de voltar pelo mesmo caminho. Saímos com os nativos do bala-bala, gritando:” morte aos brasileiros”.

Conseguimos sair e de repente, escureceu tudo, havia chegado a noite e nós dentro do mato, correndo o risco de mais uma vez contrair a malária.

Fomos caminhando com muita dificuldade, quando vimos o farol de um carro estacionado em frente a uma casa, a uns duzentos metros. Aquele farol foi nosso guia e fomos em sua direção. Quando nos aproximamos, eu conclui que poderia ser a casa de Domingos, que trabalhava na cerâmica, com Pedro Chaves. Eu gritei umas três vezes seu nome, até que ele respondeu, perguntando-me quem estava falando. Eu me identifiquei e ele me chamou.

Os angolanos temiam por suas vidas e, combinamos que eles ficassem pra trás que eu voltaria.

Fui encontrar com Domingos, que me recebeu muito bem. Eu lhe perguntei como estavam meus companheiros, ele me tranquilizou, dizendo que ninguém se feriu. Porra! Foi o maior alívio que senti em minha vida.

Domingos me disse que eu poderia voltar que, comigo não iria acontecer nada e elogiou o meu tratamento com a comunidade e tal. Ele já estava com uma das camionetas Toyota que nós usávamos.

Eu expliquei a ele que eu estava acompanhado por uns amigos angolanos e que eles precisam voltar também para o acampamento. Ele me disse que precisa ter certeza de que nada iria lhes acontecer. Pegou o carro, foi para o acampamento e nós ficamos lá, esperando a resposta.

Ele já não voltou mais. Voltaram alguns companheiros que nos resgataram e nos levaram de volta para o acampamento.

Cheguei lá, abracei alguns amigos e fiquei numa tristeza imensa em ver tudo já semi destruído. Tudo construída gota a gota, num esforço sobre humano.

A última malária que eu tive, foi tão forte, que me causou complicações renais. E, minha preocupação maior, passou a ser, a possibilidade de ter sido picado outra vez, o que seria um problemão, porque, naquele ambiente, ninguém teria a mínima condição de ser tratado.

Resolvi conversar com Alexandre Rocha e toda a equipe e pedi para me incluírem no primeiro voo.

Assim foi feito.

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Hahaha gordinho, sua companhia foi fundamental. Suas tiradas inteligentes, mesmo me sacaneando, eram muito divertidas.

Nós tínhamos de fazer alguma coisa para tirar o ar tenso do ambiente e torná-lo minimamente agradável.

Se analisarmos do ponto de vista profissional, Luzamba foi um projeto formador, por excelência.

Eu, confesso que aprendi muito ali.

Nós fomos obrigados a, dentro do planejamento, que era cheio de conjecturas e considerações pautadas em possíveis eventos, improvisar, adaptar e modificar, a cada instante.

Tínhamos que ter foco em tudo. Vivíamos num campo de guerra e nossas armas eram nossos cuidados individuais e nossa sinergia.

Foi uma grande oportunidade que tive na vida.

Poucos têm uma história similar a esta, pra contar.

Ter participado daquele projeto, me orgulha muito

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A coragem e o medo, andam juntos, porém ela tem sempre que vencê-lo.

Eu gosto de escrever.

Vejam o que eu escrevi sobre o medo e a coragem

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O Medo e a Coragem

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O medo é um portão trancado a sete chaves, com corrente e cadeado, daqueles bem grandes, que de longe dá pra ver;

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A coragem é uma porta escancarada de onde só se enxerga um horizonte perfeito, pois sabe-se que de qualquer jeito, o êxito vai chegar;

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O medo é uma trava de porta, daquelas que tinha na casa do avô, lá no interior, que você visitava nas férias ou até mesmo, onde você já morou;

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A coragem é desaforada, forte, destemida, otimista e tão determinada que com seu pé direito, chuta para longe as pedras que surgirem em sua estrada;

O medo é um freio de mão puxado, é um carro atolado que não vai pra frente nem pra trás;

E digo mais, o medo é o fracasso estampado em letras garrafais;

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A coragem é carismática, é ousada, é galanteadora, é autossuficiente e presunçosa, é altiva e soberana e só o sucesso ela faz questão de ver;

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O medo é irmão gêmeo da frustração, primo da desilusão e amigo da inércia, e lhe faz ver que nada presta e detesta qualquer aventura e a luta não tem razão de ser;

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A coragem é irmã do sucesso, é prima da vitória e amiga da ascensão e por que não dizer, que adora lutas aguerridas, pois todas serão vencidas, quer queira quer não;

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O medo é uma corda que lhe laça, e amarra seus pés, seus braços e suas mãos e lhe deixa paralisado no chão e sem o poder de se erguer.

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A coragem nos faz belos, competentes, onipresentes e nos diz que com certeza somos os mais inteligentes e que nossa sabedoria é acima do normal.

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O medo é rédea curta que

que nos segura o tempo inteiro e nos diz que nada, nem o dinheiro, faz valer a pena arriscar.

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A coragem so vê graça, em tudo que põe os olhos e zomba dos pessimistas que não constam em sua lista de amigos, nem que insistam, não terão lugar;

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O medo é uma rasteira que um certo golpe da capoeira, vai lhe derrubar, lhe aleijar e nunca mais vai poder se levantar e se arrastando não irá a lugar algum;

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A coragem é um elevador que nos acolhe, que nos guarda, nos protege e nos leva lá pra cima, lá para bem mais perto do céu;

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E, concluindo eu lhes digo sem medo de errar, que o medo e a coragem, apesar de antagônicos, na verdade, têm que viver lado a lado, porque a coragem sozinha, dá medo.

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Sou Paulo Ramos

Engenheiro e inhambupense

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Bloco 1 de Mucussuca-

Lezilha

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Até aquele momento, eu era o último gerente a chegar ao projeto Luzamba. Era meado de novembro de 1991, quando, um tanto quanto curioso e, porque não dizer, assustado, aterrizei no projeto.

Meu programa estava bem definido: estradas e acessos, desvios de rio, ampliação da pista de pouso de Luzamba e tudo mais que envolvesse movimento de terra.

O programa era enorme e muito motivante.

Eu me integrei rapidamente e comecei a conhecer como tudo funcionava ou, não funcionava ainda.

A comunicação era uma coisa bem complicada para entender, além de ser muito cara. Mas era o que melhor se podia ter naquele pedacinho de fim de mundo.

Conseguíamos falar. Era tudo que precisávamos e temos que reconhecer o esforço intelectual intenso, da equipe comandada por Vilarinho.

A logística para um simples banho, era muito complexa. Depois de vencida uma fila quilométrica, você suspirava por ter chegado a sua vez e, de vez em quando, você ligava o chuveiro e a água caindo em gotas, lhe pedia pra esperar mais um pouquinho.

Isto aconteceu comigo, no primeiro banho que tentei tomar.

O meu programa dependia muito dos equipamentos.

Tudo acontecia em cadeia: Produção de diamantes, crédito com a De Beers que entregava parte em equipamentos.

O fato é que nossa frota era muito pequena naquele momento e os equipamentos adicionais estavam a caminho e, bem devagarinho, começaram a chegar.

Eu sou muito ansioso e, talvez este seja meu grande defeito, mas é também minha grande qualidade.

Esperar não é o meu ponto forte.

A lavaria de Mucussuca, estava sendo montada e Djean estava construindo a choice house.

A coisa caminhava na direção de uma produção que poderia viabilizar o projeto, desde o ponto de vista econômico.

Minha equipe, com um trator D-7 velho, fazia o desmatamento do Bloco IV de Mucussuca.

A vegetação não era muito densa.

A viabilidade do projeto, era questionada todos os dias e colocada muito claramente, em nossas reuniões.

Eu nunca esqueço das palavras de Delmar, diante de tantas variáveis no projeto: “o projeto Luzamba, é igual a um doente de aids, qualquer gripezinha, pode ser fatal” (A aids estava em alta naquela época).

Estas palavras eram entendidas como um apelo: vamos lutar, só depende de nós.

Havia uma indicação muito clara de que o bloco 1, de Mucussuca, era muito rico em diamantes.

Este bloco estava nas mãos de garimpeiros e contrabandistas.

Havia toda uma estratégia para assumirmos esta área, sem traumas.

Num sábado pela manhã, tínhamos concluído o desmatamento do Bloco IV, e eu estava por lá, programando o transporte do trator para executar outros serviços, quando tive uma ideia absurdamente arriscada: eu vou com este trator, até o bloco 1.

Conversei com Osmar, encarregado que trabalhava comigo, ele topou e lá fomos nós.

Osmar foi operando o trator e eu o segui caminhando.

Já existia uma estrada que ligava os blocos e estava muito erodida.

Osmar seguia dando uma arrumadinha na estrada e descendo.

Finalmente chegamos ao nosso destino.

Quando estávamos chegando, eu subi no trator e preparei-me para o pior.

Eu estava com uma desculpa fajuta, na ponta da língua, para usá-la, caso não desse certo meu plano: simplesmente eu ia dizer que estávamos perdidos.

Os garimpeiros estavam todos agachados e quando nos viram, levantaram-se todos de uma só vez. Eram muitos homens.

Eu levantei a mão e, para minha grata surpresa, eles imitaram o meu gesto, indicando-me que estavam em paz e aceitavam conversar.

Os convidei a aproximarem-se e eles obedeceram.

Me identifiquei e fiz uma explanação do projeto, dando ênfase, é claro, à parte social: residências de qualidade para todos, escolas, hospitais etc. Enfim, uma grande ascensão na qualidade de vida deles.

Eu não precisei mentir, não omiti e prometi empregos para todos.

Eu lhes pedi que me indicassem um líder que os representassem daí em diante e eles me indicaram um cidadão chamado Vitor, que se tornou meu amigo, até o último dia do projeto.

Finalmente e graças a Deus, tudo deu certo e eles prometeram e cumpriram, que a partir da segunda feira próxima, eles não estariam mais lá.

Eu tenho esta dívida com Deus, por tudo ter dado certo, nesta minha corajosa empreitada.

Osmar voltou para o bloco IV para encarretar o trator e eu voltei para o escritório, para dar a boa notícia a Delmar, que me chamou de maluco, me parabenizou e me agradeceu muito.

O Bloco 1 foi muito importante para o projeto.

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Obs. Eu só utilizei dados da minha memória. Se algum nome estiver errado, me desculpem. Eu fiz questão de colocar minha memória em prova.

27/28-04-2020

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Um dia de muita tristeza.

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Construir edifícios, para Djean Cruz, é como escrever uma poesia. É coisa que vem de sua alma em forma de inspiração. Ele realmente ama esta área da engenharia.

Djean estava empenhado em concluir a reforma da guest house e, fazia com o máximo de capricho.

Era uma construção antiga e precisava que fossem mantidas as suas características, o que demandava, realmente, de muita inspiração.

A primeira etapa ficou pronta, o que elevou, enormemente, a nossa qualidade de vida.

O projeto Luzamba, começava a nos oferecer certo conforto.

Nessa etapa, não havia vaga para todos os gerentes e chefes de setor, que seriam os usuários daquela casa.

Eu não sei qual o critério usado para escolha das pessoas que iriam dividir as suítes entregues. O que sei, é que coube a mim, dividir uma delas com Djean.

A gente já se conhecia bastante. Djean foi quem me apresentou todo o projeto, nossos serviços tinham muitas interfaces, eu fornecia a areia e o “burgal”, pra suas obras etc.. O fato é que eu fui dividir a suíte com ele e, tenho quase certeza, que foi ele quem me escolheu e até brigou pela minha companhia.

O restaurante já dava gosto. Garçom de roupa branca e gravata borboleta, nos fazia esquecer, temporariamente, das nossas coordenadas geográficas.

A cerca de arame navalha, já nos isolava e dava uma relativa segurança, à noite.

O salão de jogos, com várias opções: Snoker, ping pong, cartas, pebolin, um outro jogo elétrico, no qual uma bolinha descia (esqueci o nome)…

A nossa qualidade de vida melhorava a cada dia.

Tínhamos também os jogos em área aberta: a peteca, levada pelos mineiros, (que nós, baianos nos negávamos a jogar), o futevôlei, o vôlei e o futebol.

Estava tudo uma maravilha.

Num certo domingo, depois da missa que frequentávamos como estratégia de aproximação com os nativos, o meu amigo Vitor, me convidou para almoçar em sua casa.

Eu fui pego de surpresa. Me desconsertei e pensei no restaurante da guest house, no padrão da comida e nos garçons uniformizados. Gelei. Porém, como eu poderia me negar a um convite daqueles, se tudo que estávamos buscando, era exatamente aquilo?

Lhe agradeci muito pelo convite, mostrei cara de muita satisfação e seguimos.

Sua casa, no Bala Bala, era muito simples, de taipa e, deveras, muito humilde.

Foi servido o almoço numa mesinha pequena, sem toalha por cima.

Numa panela tinha fungi em quantidade, e em outra, um ensopado de frango.

Eu nunca havia comido fungi (pasta de aipim, cosido, com um pouco de goma de mandioca. Acho que era isto), e eu tinha que demonstrar que estava adorando a comida.

Jamais eu poderia decepcioná-los.

– Antes de me servi, tive uma conversa franca com meu estomago e lhe pedi, pelo amor de Deus, que se controlasse.

Comecei a me servir.

Coloquei um pouco de fungi e caldo do ensopado por cima. Comecei a comer devagar e consegui raspar o prato.

Me dei por satisfeito e feliz por ter vencido mais um grande desafio.

Qual nada! A esposa do meu amigo Vitor, usando seu pequeno vocabulário do português, falou que eu não tinha gostado, porque comi muito pouco.

Eu, para mostrar o contrário, repeti o prato com um pouco mais de sacrifício e demonstrando mais apetite que antes.

Almoçamos, felizes e contentes.

Agradecemo-nos mutuamente, e eu peguei o carro e fui embora.

Descansei bastante à tarde e à noite desafiei Delmar a jogar uma partida de pingpong. Ele se recusou e me respondeu que não jogava ping pong, e sim, tênis de mesa.

Eu topei jogar tênis de mesa com ele, doido para ganhá-lo. Jogamos umas três partidas, e, perdi todas, porém, por placar apertado.

Eu fiquei muito chateado por não ter feito o pingpong ganhar do tênis de mesa.

Passadas algumas semanas, durante a madrugada, Djean e eu, fomos acordados por Naim, que muito triste e preocupado, nos avisou que havia tido um acidente, no Brasil, com a filha de um dos nossos companheiros. E, nos passou tudo que sabia a respeito.

Vou abrir um parêntese para falar um pouco da minha relação de amizade com aquele companheiro que acabara de perder sua filha querida, com apenas dezesseis anos.

Eu fui estagiário, já perto de formar, na obra do Porto de Aratu, onde João Carlos Correia de Albuquerque, era o GAF.

Nesta obra eu convivi muito com Joãozinho. Assim, eu o tratava.

Depois, em 1980, eu já engenheiro com alguma experiência, fui para as barragens da Vale, em Itabira.

Joãozinho, era outra vez o GAF. Convivemos muito intensamente.

Joaozinho era muito meu amigo.

Naim nos deu a notícia e, sabendo da minha relação com João Carlos, me pediu que eu fosse conversar com ele.

Eu, não absorvi bem o que estava acontecendo.

Eu pensava em João Carlos, passando por todos os sacrifícios com um único objetivo, que era levar a seus filhos, um pouco mais de conforto e suporte para que eles, num futuro próximo, pudessem levar suas vidas com dignidade e segurança.

Era injusto e muito cruel, o que acabara de acontecer.

Era revoltante.

Pedi mil desculpas e disse-lhe que não me desse aquela missão.

Sugeri que pedissem a um dos médicos que, armados com tranquilizantes fortes, cuidassem de lhe passar a notícia.

Acordamos Pedro Chaves, que ocupava o quarto da frente e voltei para o meu quarto, me tranquei no banheiro e, olhando para o espelho, eu vi o acidente com detalhes.

Eu via a dor dos pais, arrasados, decepcionados com a vida e, literalmente dilacerados.

Eu, estava arrasado e sem forças. Me sentei no chão e chorei. Chorei com uma dor profunda.

Tomei um banho e desci para o “hospital” para encontrar com João.

Cheguei, perguntei por ele, que ouvindo a minha voz, começou a soluçar e abrindo os braços como uma criança que quer a proteção do pai, me abraçou e choramos abraçados, a maior dor de todo os mortais.

Este foi o dia mais triste que vivi no projeto e dos mais tristes de toda minha vida.

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Exatamente.

O trecho estava em obras. Faltava a capa de cascalho. Que, no caso, seria utilizada uma mistura de burgal com areia. Algo assim. O laboratorista, Zéjomar (?) estava analisando.

Havia uma grande deficiência de material natural para revestimento.

Eu, inclusive, fui a África do sul, tentar comprar uma resina que incorporava características anti derrapantes, para colocar sobre aquele material.

O preço da resina era absurdo. Demos um jeito e, ao acho que foi com burgal, areia e um pouco de cimento. Sinceramente, eu não lembro.

Só sei que o carro saiu deslizando, vagarosamente, e acabou capotando. Graças a Deus, foi a única capotada da minha vida.

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AS AULAS DO PROFESSOR JOÃO MOREIRA

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Silva Bete, geólogo e o engenheiro Souza, faziam parte da minha equipe com muito orgulho pra mim.

Eu tinha uma preocupação grande, pelo fato de Silva Bette ser geólogo e eu ter pouco conhecimento nesta área para contribuir com sua formação.

Então, eu pedi a João Moreira que passasse a ele, todo seu conhecimento e, João, com seu jeitão de professor, o fazia com muito gosto.

Eu apenas acompanhava para ver sua evolução.

Determinada ocasião,

nós programamos um curso de técnicas para escavação em rocha, para brasileiros e angolanos. Salvo engano, foi uma semana inteira.

João Moreira era o principal apresentador e professor. Ele era a figura central.

Eu apresentei a parte de carga e transporte, com dimensionamento dos equipamentos etc.

Eu não recordo bem, mas acho que Carlos Guimarães falou sobre os equipamentos de perfuração.

Foi um curso muito interessante e proveitoso.

Silva Bette já tinha tomado várias aulas com João Moreira.

Para minha surpresa e alegria, João montou num quadro, uma situação real, e chamou Silva Bette para fazer a apresentação da solução e todo dimensionamento.

Silva apresentou tudo e com calma e domínio, explicou tudo direitinho, e ao final, foi aplaudido.

Nós tínhamos uma preocupação e responsabilidade em formar os angolanos.

Em minha área, foram formados vários operadores, principalmente, de caminhões articulados.

Os D-30, com dois eixos e os D-300.

Equipamentos maravilhosos que nos enchiam de orgulho, quando víamos passar um daqueles, com um angolano em seu comando.

Este curso dado pela minha equipe, e sob o comando de João Moreira, teve aulas práticas para consolidar todo o conhecimento teórico.

Não lembro quantos receberam o diploma, sei apenas, que o melhor aluno foi Silva Bette.

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DESVIO DE TÁZUA

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Entre minhas atribuições, estava o desvio de rio.

O leito do rio era muito rico em diamantes e, para explorá-lo, era necessário secá-lo, o que , só era possível, desviando o seu leito.

Fizemos Cacuco, de forma muito precária, devido a falta de equipamentos.

Tázua era um desvio enorme. Porém, já tínhamos bastante equipamentos.

O trecho do rio que seria explorado, tinha um comprimento aproximado de uns três quilômetros, e uma área enorme também, a ser explorada.

O desvio tinha mais ou menos, uns dois mil metros.

Este desvio, era composto por uma parte em corte, com, mais ou menos, uns 1300,00m de comprimento, largura de 40,00m, altura de 11,00 m e um volume de 550.000,00m3, em rocha.

Eu não lembro se era granito ou basalto.

Era rocha dura, com certeza.

O segundo trecho, era composto por dois diques, cada um com seus 400,00 a 600,00 metros de comprimento, e altura entre 5,00 e 6,00 metros.

Para construção destes diques, utilizamos, uns motoscrapers antigos e recém recuperados.

Os diques não eram muito altos, porque nessa parte, o canal se abria, tornando o novo leito, neste trecho, largo e raso.

Talvez tivesse uns 300,00 metros de largura.

Nós trabalhávamos em dois turnos: perfuração com quatro perfuratrizes, toda a noite, assim como, carga e transporte da rocha para o estoque.

A área de estoque ficava bem próxima de onde seria construída a ensecadeira de desvio.

Durante o dia, mais carga e transporte da pedra.

O fogo era feito final da tarde e cada um, rendia em torno de 10.000,00m3.

Fizemos toda a escavação em rocha, em 55 dias. Observo, que passamos mais de 15 dias sem explosivos.

Mais umas três semanas entre mobilização, desmobilização e outros detalhes, concluímos esse desvio em 75 dias totais.

Quando nosso projeto foi invadido, nós estávamos iniciando a construção da ensecadeira e Djean já tinha montado a ponte sobre o canal escavado.

Deixo registrado o importante trabalho do querido e saudoso João Moreira.

Profissional competente e comprometidíssimo.

Ele me ajudou muito.

João era uma pessoa gentil, leal, cantor e ótimo tocador de violão.

Para chegar a Tázua, tínhamos que passar por algumas comunidades.

Por segurança das pessoas e nossa também, nós passávamos nesses lugares, bem devagar.

As crianças tomavam a frente do carro, pedindo comida e outras coisinhas mais.

Eu fiz um pedido de bombons. E, assim que chegaram, eu levava num saquinho e distribuía com a meninada.

Eu distribuía na realidade, muita alegria para aquelas crianças.

Eles já conheciam meu carro e o horário que eu passava, todos os dias.

Certo dia, um dos meus colegas, não lembro se foi Djean, Pedro ou Delmar, me alertou para o fato de que, se uma daquelas crianças se engasgasse e tivesse qualquer complicação, eles, seus parentes, poderiam até me matar.

Eu refleti e vi, que ele tinha razão.

Eu avisei a todos que o bombom tinha acabado e nunca mais pude fazer aqueles garotos felizes

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MEU PRIMEIRO VOO EM UM CARGUEIRO.

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Eu tinha ido à Joanesburgo, em minha folga. Minha família estava lá.

Em cada viagem que eu fazia para encontrar meus filhos, eu voltava mais disposto e com mais vontade de trabalhar e de ver o projeto avançar, se firmar e crescer, porque, em consequência, eu também, iria me firmar, crescer e avançar.

Em cada viagem minha, eu via o progresso dos meninos no inglês e sua desenvoltura na cultura inglesa e africana.

Eu queria mais para meus filhos, e, com mais tempo lá, eles iriam aprender muitas coisas importantes para suas vidas adultas.

O projeto Luzamba estava me dando aquela oportunidade.

É verdade.

Aquela minha decisão, de aproveitar a ocasião, para dar um up grade na educação de meus filhos, me custava caro e, só trabalhando lá, no projeto Luzamba, eu poderia bancar aqueles sonhos: o deles e o meu.

Em uma determinada viagem, meu vou de volta atrasou e, quando eu cheguei em Luanda, fui avisado que o bimotor que me levaria a Luzamba, já tinha decolado, porque os outros passageiros, não puderam me esperar.

Me disseram também, que, à tarde, estaria saindo um cargueiro e que, se eu não me incomodasse, eu poderia viajar nele.

Eu estava doido pra chegar e ver minhas obras. Ver quanto tinham avançado e como tudo estava caminhando.

Pedro Chaves, sempre que eu ou Djean viajávamos, ele nos substituía com toda sua competência, experiência e dedicação. Mas, eu queria voltar a ocupar meu espaço e dar continuidade ao meu trabalho.

Este cargueiro tinha passado uma semana inteira parado com problemas técnicos, e as cargas acumularam.

Pela demanda urgente de alguns suprimentos, foi necessário que se colocasse uma sobrecarga, dentro dos limites de segurança, é claro.

Eu não tinha esta informação e, talvez, nem precisasse tê-la.

O piloto, o co-piloto e um mecânico, tomaram seus postos e, posteriormente, um inglês que teria vindo para cozinhar para os outros ingleses, e eu, subimos e nos sentamos num banco lá atrás, naquela imensa cabine.

Era um avião pesadão com quatro hélices.

Eu não entendo absolutamente nada de aviação e, tampouco, tenho vontade de aprender.

Tenho muitíssimas horas de voo, já passei alguns sufocos, mas, confesso, que não gosto e nunca perdi o medo.

O avião percorreu toda a pista e, quando ela estava pertinho de acabar, decolou.

A tensão me fez acender o primeiro cigarro, Carlton, que eu tinha encomendado do Brasil.

O inglês, gente boa, que estava ao meu lado, acendeu um cigarro Malboro e ficamos os dois, fingindo tranquilidade.

Com uns vinte minutos de voo, percebemos que alguma coisa estava errada.

O piloto, o copilo e o mecânico, olhavam os aparelhos, iam na janela, voltavam e discutiam.

Eu tentava captar alguma informação, mas não conseguia.

O meu companheiro inglês, se levantou, foi até a janela, olhou, empalideceu e voltou

falando:-“Stopped! One machine stopped”. E, puxando um pouco meu braço me disse:-“go, go. Look at that”.

Eu travei, tudo: Perna, braço, raciocínio e tudo mais que se possa imaginar. Não havia nenhuma possibilidade de ir a lugar algum.

Acendemos mais um cigarro, na maior angústia do mundo, quando o inglês voltou a falar:- “we are coming back”.

Eu fiquei até um pouco mais tranquilo. Afinal, em mais vinte minutos, estaríamos pousando.

Qual nada. Eu já estava no terceiro ou quarto cigarro, e a pista de pouso não chegava.

Eu percebi que estávamos girando em círculos, sobre o mar. E eu tinha razão.

Eles decidiram descarregar o máximo de combustível possível, para evitar um incêndio, caso houvesse um choque na aterrissagem e também, para aliviar a sobrecarga, talvez.

Com um pouco mais de tempo, a torre autorizou o pouso e lá fomos nós.

Eu, estava tranquilo porque, pra mim, o pior já havia passado.

O avião encabeçou na pista e pousou com algum desequilíbrio, que eu agarrado no braço da cadeira, com toda minha força, não consegui me firmar.

Assim que o avião parou, e que os outros três motores foram desligados, o piloto, o copiloto e o mecânico, eufóricos, se abraçaram, gritavam e até cantaram na maior alegria de suas vidas.

Só então, eu pude perceber, que o risco que corríamos era deveras, imenso.

E assim, foi o meu primeiro voo, em um cargueiro.

O segundo, foi na fuga.

Eu não sei qual dos dois foi melhor.

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