JOHAN
Caros amigos, a todos e todas, bom dia e carinhosas saudações!
Pettená, aqui é o ‘Papa I’, com aquele seu ‘P’ de Poliglota … .
Agora sim, sábado de manhã em Belo Horizonte e a postos com o computador no Whatsapp-Web, consigo organizar a cabeça e iniciar a interação com vocês. Enviarei a seguir alguns poucos registros fotográficos que salvei do “Luzamba I”. …
Como sabem lá por volta do terceiro trimestre 1992 eu e a Daise estávamos de fato com a nossa mudança para a Vila, para dividir a moradia com o querido casal John e Barbara Oglesby. Djean, Josué, principalmente, já ficavam de cabeça quente pelas incessantes, mas compreensíveis, solicitações da dupla Daise + Bárbara que queriam tudo desenhado, perfeito, assim, assado, do jeito que uma casa acolhedora em Luzamba teria que ser! Na nossa visão, o Luzamba estava se firmando como projeto de vida, o que justificava montar uma casa acolhedora para todos e todas. Então não foram apenas algumas malas que ficaram para trás na pista do Luzamba, mas ficaram no almoxarifado, as nossas duas caixas de mudanças com livros, objetos, fotos, filmes, enfim, memórias da nossa trajetória no Brasil e em Portugal. Mesmo assim Angola nos manteve sob seu encanto, e vivemos uma trajetória Angolana até 1999!
Pessoal, a criação deste grupo é uma belíssima iniciativa, vista a enorme emoção que suscita em todos os participantes, de todas as áreas de atuação do Projeto Luzamba. Delmar ou Naim estenderam o convite e Daise e eu de pronto aceitamos. Mas inicialmente preferi ficar um pouco na retaguarda, vendo a incrível atividade de mensagens e manifestações enquanto relembrava e fixava pouco a pouco os nomes, as pessoas, os locais, as situações, enfim, sentindo aquele turbilhão que decerto todos estão vivendo neste momento. Afinal, passaram-se três décadas onde todos trilharam seus distintos caminhos de vida. A experiência Luzamba, de tão forte, tornou-se o eixo da roda da vida de todos nós, mas a mandala segue girando.
Portanto, peço compreensão por não ser muito de interagir frequentemente via conversa Whatsapp, preferindo construir uma nova reflexão sobre os eventos marcantes daquela época. Com tempo, firmando-se a iniciativa de consolidar um acervo detalhado pelos mais variados ângulos de vista e com a valiosíssima contribuição do Pettená, eu gostaria sim, de contribuir com eventos da minha vivência na produção do Projeto Luzamba, que porventura não é assim tão divulgada no grupo. Isso porque a equipe da produção (“Exploração Mineira”), à frente das minas, estava, pela própria atividade-fim e pelas metas arrojadíssimas de produção do Delmar, talvez um pouco mais afastada do grande e magnífico grupo de colegas que assegurava as condições essenciais para a sustentabilidade do Projeto e da Produção.
Finalizo por ora com registro de imensa gratidão ao Mestre John Oglesby, agradecimentos à equipe de companheiros da ENDIAMA na pessoa dos Srs. Videira, Campos, Gonga, Kapingana, e tantos outros especialistas da nossa Arte. E sobretudo estender um fraterno abraço ao meu encarregado geral Jorge Barbosa e toda a equipe da Exploração Mineira, sem os quais não teria sido possível atingir os recordes de produção que o Projeto Luzamba alcançou.
Pettená, ontem consegui comprar teu livro! Encontrei um exemplar no “mercado livre”.
Inté!
John e Barbara Oglesby em 1993 – Excursão pelo I Simpósio de Geologia de Diamantes do Brasil – Cuiabá, Mato Grosso
Salãode embarque, fila de check-in e ‘overbooking’ 😉 do primeiro C-130 saindo do Luzamba na data fatídica. Honra à tripulação e piloto John [?]_, veterano de muitas situações. Se não me falha a memória, o mesmo John faleceu no retorno de missão humanitária no interior de Angola vítima de ataque stinger que atingiu o C-130.
Até hoje sinto os mesmos arrepios quando aquele voo finalmente levantou da cabeceira Bala Bala. Decolagem em regime total! John sabia do sobre peso. Utilizou a pista inteira, mergulhou um pouco para pegar mais velocidade, e lá se foi para LAD!
O Atandel adorava mostrar proeza e fez estripulia comigo ao retornar do Cafunfo, simulando um ataque surpresa a um grupo de garimpeiros. Uma montanha Russa! Nunca mais! Desde então a barriga dava um coice a cada vez que embarcava no Alouette.
Bonfim, este avião deve ter sido o bimotor Kingair da Endiama. Lembro-me que ele foi o primeiro a ‘furar’ o bloqueio logo que tínhamos um mínimo de confiança na situação – blefe (?) dos elementos da Unita do Cuango (?). Verdade é que vocês tiveram um momento extremamente tenso aí na estrada do Luzamba para a sede do Cuango, quando aqueles ‘capas verdes’ começaram a recuar. Pouco tempo depois conseguimos evacuar os colegas da ENDIAMA, um grupo pelo King Air, e depois, a diretoria da pelo Helicóptero que estava na placa. Este helicóptero rumou a Capanda para reabastecimento, just in time para conseguir continuar até Luanda. Isso tudo antes da chegada da coluna de comandos da UNITA pela estrada do Cafunfo e a explosão de atividades daí em diante. Fato essencial para o nosso acerto na evacuação ainda foi a decisão do Cel. Vitor em imobilizar o C-130 petroleiro que estava descarregando no pátio da pista e cujo comandante (o John ) queria decolar a todo custo imediatamente a seguir. Posicionou-se um veículo bem a frente da aeronave. Foram retirados os tanques de diesel, e foi ele que permitiu a evacuação da noite do dia 31/10.
Na iminência de chegada dos voos da FAB, fizemos dois grupos para embarque rápido. Fomos à pista no meio da madrugada. Sem saber em qual das cabeceiras pousaria o primeiro avião, organizamos uma fila indiana em cada cabeceira da pista. Minha missão era liderar o grupo para o Congo Brazzaville donde reagruparíamos para em seguida seguir para Windhoek. Me posicionei na cabeceira Sul (Cuango) com meu grupo. Levávamos uma mala com a estação Inmarsat que tentamos ‘disfarçar’ da melhor forma possível. Meu amigo e companheiro Reginaldo Campos foi dessa viagem. Ficamos em completo silêncio, breu total, mantendo nossas filas, aguardando o dia raiar. Ao redor, muito ruído de festanças nas aldeias vizinhas. Carros passando na estrada de contorno da pista com pessoas falando alto, claramente audíveis. Mas absolutamente nenhum sinal de sentinelas ou guardas da Unita. Levantou um denso nevoeiro que me fez pensar que o pouso não seria possível naquelas condições. Ao raiar o dia e ainda com o nevoeiro começando a dissipar-se lentamente, ouvimos os ruídos distantes, mas tão característicos, dos C-130 em formação. Mas estavam tão altos e rumando para leste, que parecia que não tinham avistado a pista. Ai que duma vez, um dos aviões fez uma curva extrema e desceu rapidamente em direção à cabaceira Norte. Pousou imediatamente, taxiando em alta velocidade até a nossa cabeceira e fazendo o retorno de uma vez. Daí foi tudo muito rápido. A fila indiana funcionou bem, a tripulação ajudando, foi como uma coreografia bem executada e todo mundo estava acomodado naquela sentada mais próxima possível. Não cabia mais ninguém, com alguns companheiros sentados na própria rampa traseira do avião.
Montei na cabine, o comandante pediu o OK, e já estávamos iniciando o procedimento de decolagem. Nenhum contato com a Unita em toda essa manobra! Logo após a decolagem em direção ao Cafunfo (Norte) o comandante me chamou e indagou se era mesmo para voar para Luanda pois ele havia esta indicação, porém o plano de voo acordado com a FAB era Brazzaville. Respondi que o plano de voo era mesmo Brazza e que não teria como alterar as ordens até aí recebidas. Em seguida me pediu para vir ao rádio e quem estava lá do outro lado? O Delmar dizendo que estava em Luanda e que o aeroporto estava sob controle. Para desviar para Luanda e deixar todos os trabalhadores angolanos na capital. Reabasteceríamos em LAD, embarcaríamos mais outras pessoas e seguiríamos no mesmo avião para Windhoek. Assim foi feito, na confiança absoluta que os riscos estavam bem avaliados. Dei o de acordo ao comandante e cuidei em seguida de tentar entregar a cada trabalhador o respectivo crachá para que pudessem ter mais segurança ao chegar em Luanda e manter o contato com a empresa.
Ao desembarcar em LAD, quem estava a nossa espera? Josué, ‘acampado’ no aeroporto há vários dias!
Bom dia a todos e ao meu caro Amaro! Lembro-me bem. Foi algo surreal, mas ao mesmo tempo ajudou para que a gente ganhasse confiança de que a o comando da Unita permitiria a utilização da pista no dia seguinte. Mas como ele próprio disse, na guerra tudo muda em menos de 24 horas, portanto a palavra do próprio comandante na lógica deles tinha prazo de validade. … Muito curtinho.
Luzamba-Luanda-Windhoek com a FAB
Na iminência de chegada dos voos da FAB, inicialmente comunicada para ser a noite, formamos dois grupos para embarque rápido. Os grupos seguiram à pista no início da noite. Sem saber em qual das cabeceiras pousaria o primeiro avião, a segurança resolveu organizar duas filas indianas, cada uma mais perto da respectiva cabeceira da pista, cuidando de dissimular os homens no barranco lateral.
Minha missão era enquadrar um grupo com a sobra dos trabalhadores Angolanos em Luzamba, e demais companheiros, para Brazzaville, capital do Congo, donde reagruparíamos para em seguida seguir para Luanda ou Windhoek. Como fazer isso tudo em Brazza, sem dinheiro, tentando manter organizado um grupo de 170 pessoas, com um mínimo de prontidão para imprevistos? Fizemos uma ‘vaquinha’ com dólares que os companheiros pudessem passar, feita a lista dos credores, e distribuída ao líder de cada grupo. Meu grupo foi posicionado em direção à cabeceira Sul (Bala Bala / Cuango). O meu grande amigo, técnico de telecomunicações e companheiro de peteca Reginaldo Campos foi dessa viagem. Aos cuidados dele levávamos a estação Inmarsat de reserva do Projeto, com destino Windhoek. Aquele baú pesado, estilo militar, foi ‘disfarçado’ da melhor forma possível, embrulhado em cobertores, sinal de que estávamos bastante preocupados com eventuais inspeções da Unita.
Eu permaneci junto com o Centro de Gestão de Crise na sala de televisão da GH, para manter-me informado até o último minuto, quando ficamos sabendo que os aviões só pousariam com luz, no início da manhã. Naquele momento todo o pessoal já estava posicionado ao lado da pista. Por precaução decidimos mantê-los assim, mesmo sabendo do grande desconforto que isso ia causar.
Finalmente, por volta das 4 ou 5 horas, após algumas horas deitado no meu quarto da Guest House, peguei a mochila e andei até a pista. Ficamos em completo silêncio, breu total, mantendo a fila, aguardando o dia raiar. Nas redondezas, ruídos de festanças nas aldeias vizinhas. Carros passando na estrada de contorno do lado oposto com pessoas falando alto. Surpreendentemente, nenhum sinal de sentinelas ou guardas da Unita.
Devido às fortes chuvas do dia anterior, baixou um denso nevoeiro, que me fez pensar que o pouso não seria possível naquelas condições. Demorou, a tensão ficava cada vez maior porque não queríamos mais nenhum contato com o pessoal da Unita.
Finalmente, já em pleno dia e ainda com o nevoeiro começando a dissipar, ouvimos os roncos distantes, mas tão característicos, dos C-130 em formação. Mas estavam tão altos, rumando para leste, que parecia que não tinham avistado a nossa posição. Ai que duma vez, um dos aviões fez uma curva radical e desceu quase na vertical rumo à cabeceira Norte. Pousou imediatamente, se bem que fora da nossa linha de visão, pela ligeira lombada que a pista tinha no seu meio, e surgiu de repente, glorioso, taxiando em alta velocidade até a nossa cabeceira onde fez o retorno de uma vez, já baixando a rampa traseira de carga.
Os motores turboélices continuavam ligadas em regime. Daí foi tudo muito rápido. A fila indiana funcionou bem, o pessoal de segurança e a própria tripulação da FAB ajudando, foi como uma coreografia bem executada. Logo todos estavam acomodados naquela sentada mais próxima possível. Não cabia mais ninguém, com alguns companheiros ficando na própria rampa traseira do avião que já se fechava.
Abriram a porta lateral dianteira e subi a escada até a cabine. O comandante sinalizou a ordem de partida, e já estávamos iniciando o procedimento de decolagem. Três, quatro minutos para o embarque? Contato nenhum com a Unita em toda aquela manobra! Logo após a decolagem em direção ao Cafunfo (Norte), o comandante me chamou e indagou se era mesmo para voar para Luanda pois ele havia esta indicação, porém o plano de voo acordado com a FAB era Brazzaville.
Fui apresentado a um representante da empresa (cujo nome não lembro), que estava a bordo, no banco da cabine de comando. Parecia visivelmente cansado, abatido e apavorado. Respondi que salve melhor juízo o plano de voo era mesmo Brazza. Em seguida o comandante me pediu para atender ao rádio de bordo. Era Delmar de Luanda dizendo que o aeroporto estava sob controle do governo. Ordem para desviar para Luanda e deixar todos os Angolanos na capital antes de seguir viagem para Windhoek. Assim foi feito, na confiança que os riscos estavam sendo bem avaliados. Dei o de acordo ao comandante e cuidei em seguida para explicar a situação aos companheiros. Iniciei a tentativa de entregar a cada trabalhador angolano o respectivo crachá para que pudessem ter mais segurança em vista da total incerteza ao chegar em Luanda.
O pouso em LAD foi outro momento épico e difícil. Com o avião ainda taxiando em alta velocidade, as condições de ventilação e o calor no porão de carga ficaram sufocantes. O loadmaster resolveu baixar a rampa traseira. Vimos a pista e o movimento do avião, ouvimos disparos ou algumas explosões distantes, e de repente, os angolanos gritaram e resolveram se levantar todos de uma vez como se fosse para fugir ou saltar pela rampa! Não sei o que me deu, mas tive que exercitar toda a força das cordas vocais! Parem! Sentem! É muito perigoso! Querem morrer? E talvez outras expressões mais fortes que agora não vou ou quero me lembrar. … O loadmaster entendeu imediatamente e voltou a fechar a rampa.
Chegando na placa do aeroporto, o comandante posicionou o C130 bem perto do prédio e já virou para, aí sim, permitir a saída ordenada dos passageiros. Ao desembarcar quem estava a nossa espera? Pettena barbudo e o nosso grande Josué Cerqueira, ‘acampados’ no aeroporto havia vários dias! Avisaram do risco e procedimento de saída, por causa dos tiros.
Havia disparos de armas a certa distância, mas por todo lado, e um atirador das forças armadas agachado em posição de combate apontando a mira para uns prédios do outro lado da avenida do aeroporto. Diziam que havia um franco-atirador ali. Todos os passageiros ao desembarcar tiveram que correr na linha de abrigo de um contêiner, de 10 em 10, para encontrar local seguro para saída.
Depois da saída dos nacionais, nos ainda tivemos que passar na DEFA (Polícia de Estrangeiros ou Fronteiras) para mostrar os passaportes! Corremos de volta até um oficial da DEFA, ainda ao abrigo do contêiner que, com inexplicável zelo e paciência, tratou de verificar e carimbar nossos passaportes. Isto aconteceu enquanto o avião estava sendo reabastecido.
De volta ao C130 embarcaram mais pessoas que estavam ilhadas no saguão do aeroporto naquelas desastrosas condições sanitárias, há vários dias. Apareceu um francês, mais perdido que cego em tiroteio, apavoradíssimo, que me procurou para saber do nosso destino. Tinha vindo de Bruxelas no último voo da Sabena, na primeira viagem dele para Angola, e não conseguira sequer sair do aeroporto ou encontrar com o receptivo dele. Só falava francês. Perguntado para onde iríamos, mencionei Windhoek, Namíbia. Parece que o cara quando entendeu que estava a entrar num avião militar ficou mais apavorado ainda… tive que explicar calmamente que o avião era Brasileiro, que havia feito uma missão épica para nos resgatar, que não era missão de guerra; E que lá em Windhoek era outro mundo, bem mais organizado, sem confusão nem guerra, com hotéis, consulados e embaixadas, onde ele iria encontrar o rumo de casa. O francês somente se tranquilizou quando já estávamos no ar tomando água mineral e desfrutando de uma maravilhosa e farta bandeja de lanche que a tripulação ofereceu.
Para mim, conhecendo bem Windhoek e tendo evitado a ‘maca’ e incertezas de transitar por Brazzaville, sentimento de grande alívio e confiança no desfecho próximo da crise.
Pettená, o fato de o Francês estar na primeira viagem dele a Angola e não saber da iminência ou gravidade do conflito, fala muito sobre a (não)circulação ou falta de notícias à época.
O fax por Inmarsat virou inovação disruptiva tanto é que foi o principal meio de comunicação da empresa de expatriados que, junto com a Unita, tomou as Minas do projeto Luzamba. Hoje é diferente.
Circulam incontáveis notícias, a maioria inverídicas, incompletas ou voluntariamente falsas, pelo mecanismo virótico exponencial dos likes e compartilhamentos. Todos se tornaram especialistas instantâneos.
Há 10x mais infectologistas que torcedores do Flamengo. Teria sido possível um Projeto Luzamba em era e com a geração Y do FB, Youtube, Instagram, Netflix?
Hoje em dia os geólogos geração-Y passam o tempo todo diante do computador. Campo? Observação? Medições? Ganhar experiência? Gestão de incertezas? Relatórios? Quê? Desnecessário! Desconfortável! Demorado! Nós jovens temos Google Earth, internet, machine learning! inteligência artificial!
.. era a ponta de uma ogiva. Uma espécie de cone pesado. Caiu quase na vertical, causou uma cratera no chão exatamente no local onde sentaria um visitante do Mayerhofer. … Todos os papéis da sala estavam estralhadissimos parecendo explosão mesmo. Pó das telhas em toda a casa. O artefato ainda atravessou a parede e parou no corredor. Do lado de trás da mesma casa no barranco dando para os campos de tênis encontrou -se duas roquetes. Ah se Mayerhofer tivesse se refugiado embaixo da mesa do escritório… Ainda bem que correu com a gente. O escritório técnico ficava na mesma rua, mais perto ainda daquele paiol… Nas primeiras explosões recolhemos os nossos back-ups e saímos de lá nos carros que havia, até uma distância segura em direção ao canteiro da SDM. De lá assistimos ao paroxismo dos roquetes e artefatos subindo em flecha. Foi um espetáculo pirotécnico daqueles… Bem mais a tarde voltamos para encontrar os estragos. Algumas casas da Vila GAMEK completamente destruídas
Menino Soldado – Meu primeiro contato com a Unita combatente
Na manhã do ataque da Unita, sexta-feira 30 de outubro 1992, como de costume, ‘matabichei’ logo cedo pelas 6 horas. A turma da Exploração Mineira, naquela hora, já estava perto de chegar nas minas para iniciar mais um ciclo de produção, em obediência ao estipulado no plano de contingência. Estávamos em contato rádio permanente “Papa uno – Papa dois”.
A rotina matinal era de juntar os gerentes do PA em reunião diária de produção. Demorava no máximo meia hora, iniciando pelas 07:00 da matina. Rotina essa instalada com mão de ferro pelo Diretor de Operações John Coltart Oglesby que, nas ausências, eu representava.
As metas dos gerentes de todas as áreas eram arrojadíssimas, interligadas e interdependentes.
Na reunião eu utilizava uma inovação da época, um computadorzinho de bolso Hewlett Packard HP95LX com 1 MB de RAM e software Lotus123, permitindo registrar os dados de produção diários e acumulados e consultar as informações geológicas dos blocos mineiros – sempre apontando para a ‘reta da meta’!
Adorava aquela engenhoca. Era top.
Portanto eu costumava sair para o escritório bem cedo, antes de muita gente. Ao chegar na guarita, reparei uma cena inusitada: O nosso guarda usual estava ausente. Mas no lugar dele, sentado no meio fio da calçada, avistei um pequeno homem todo vestido de uma capa verde oliva, com boné meio frouxo, mas portando um fuzil de assalto AK47 no ombro. Parei o carro e olhei para ele. Nunca havia visto o uniforme de campanha de um homem da Unita. Ele ficou de pé, caminhou em minha direção, lentamente, contornando o carro pela frente e se posicionando ao lado da minha janela aberta. Estatura de homenzinho, adolescente ou pré-adolescente! Fuzil no ombro, aparentemente bem comportado. Esbocei um sorriso, que ele retornou de pronto. Aí a nossa conversa foi mais ou menos assim:
– Eu sou o Johan. Como tu chamas?
– Sou Pedro
– Tu és do Bala-Bala?
– Não chefe
– Onde nasceste, então?
– Chefe, não sei
– Pedro, quantos anos tens?
– Chefe, não sei (ele parecia uns 15, ou 16 anos)
– Pedro, vou te chamar de Pedrinho tá bom? Penso que tens uns 16 anos
– Largo sorriso do Pedrinho
– Posso passar, para ir ao trabalho?
– Sim chefe.
Arranquei o carro e acionei o rádio para dar conhecimento ao Vitor Motta.
Naquele dia todo o drama da evacuação tomou seu rumo, com os terríveis acontecimentos narrados em outros relatos.
Após saída do primeiro Hércules C-130 na mesma sexta-feira à noite, houve um inusitado momento com o comandante da Unita, Cel Santo António, no refeitório da Casa de Hospedes, onde jantamos num semelhante de civilidade. Foi irreal, mas fato é que o comandante deu a entender que Luzamba tinha que ser evacuada com maior urgência possível e que a Unita não iria se opor aos voos de evacuação, desde que previamente avisados. … Mas que esse entendimento podia mudar a qualquer momento …
Na manhã seguinte, sábado 31 de outubro, estávamos empenhados com a organização de embarque dos voos da Transafrik. Na ciência de que tínhamos sido autorizados pelo próprio comandante da Unita eu me dirigi ao meu veículo e me instalei com a intenção de seguir para o portão dos fundos da Guest-house e ajudar com os traslados ao aeroporto, já que o micro ônibus era insuficiente. Eis que um pequeno grupo de soldados da Unita me avistou, deram gritos e vieram na minha direção. Me apanharam e puxaram para fora do carro. Eram Zairenses (!). Tentei explicar que estávamos organizando a evacuação conforme as ordens do próprio comandante, mas de nada adiantou. Aí que um avistou minha bolsa de cinto, e gritou – ‘il tient des diamants’! Tive sorte de não apanhar logo naquele momento. Um deles arrancou a chave da minha mão e logo depois a bolsa que levou direto para a barraca de comando da Unita que ficava do outro lado da rua.
Voltei para a Guest House, suando frio, e contei para Victor, que, com razão, me repreendeu pela imprudência. Mas expliquei o entendido e que pela lógica nada disso deveria ter acontecido. O imprevisto era o bando de comandos Zairenses.
Fato era que eu havia perdido passaporte e documentos, além do HP95LX com todas as senhas, banco de dados e anotações. O que fazer? Como eu tinha um aparelho de som no quarto, novo, veio a ideia de tentar negociar em troca da bolsa. Uma hora depois fomos conversar com o Santo Antônio levando o som, e de fato, a bolsa estava na mesa dele. Do canto do olho, reconheci o Pedrinho, postado na entrada da barraca, observando a cena toda. O Santo Antônio aceitou a troca e me entregou os documentos, porém, nada do HP95LX! Dei por perdido, mas já estava aliviado com o desfecho, tendo recuperado passaporte e demais documentos.
Domingo 1 de Novembro foi o dia de todas as angústias. Havia chovido e a pista estava encharcada. As notícias de Luanda eram terríveis e não havia mais previsões de voos ou informações de como sairíamos dali.
Devido a rotina dos embarques do dia anterior, pela traseira da Guest-House, aquele portão estava destrancado. Eu estava no quarto, no final do corredor, logo ao lado do pátio. Eis que alguém sacode e empurra o portão. Fui lá ver. Custou um pouco para reconhecer, pois estava com roupa de civil.
– Pedrinho?
– Sim chefe sou eu
Ele veio em minha direção e bem discretamente, tirou do bolso e me entregou o HP95LX.
– Chefe vai precisar disto. Não conte a ninguém.
Foi inacreditável. Tentei entender, se talvez houvesse alguma astúcia, mas era só isso mesmo, na maior simplicidade.
Pedro deu outro sorriso, saiu pelo portão e nunca mais o vi. Menino Soldado.
Johan Van der Stricht
Belo Horizonte, 07 de maio de 2020
Gerente Mineração Projeto Luzamba 1991 – 1992