Estórias de Cada Um

FERNANDO CARIELLO

Nunca esqueci. repito até hoje e digo tem autoria. Miguel Calado, grande cortador de pau: é de fuder maria prea e em inglês fuck mary prea. vai lá saber como é preá em inglês, rapaz

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Lembro de ter ido no carro de Delmar falar com o Piloto sul africano da Southern.

ele queria decolar no primeiro dia. E pedi ao encarregado de elétrica (esqueci o nome) por um caminhão baú na frente do avião para ele não poder manobrar. O piloto me falando que era sequestro internacional não deixar ele decolar. E só decolamos a avião a noite com as latinhas acesas com diesel. Moita que trabalhava no treinamento dirigindo um dos ônibus.

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Eng Ferrão era pioneiro de uso de PC. Disse-me uma vez: o nome é personal computer. Um para cada pessoa. Eu tenho o meu. Uma figura agradabilíssima.

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Uma vez num domingo ia a Luanda. Delmar chegava e fui sozinho no helicóptero com Atandel. Quando chegamos no Cafunfo, não estava ainda o Kingair na pista. Ele subiu bem alto e viu no horizonte o avião chegando. Subiu mais alto e vimos a aproximação e pouso. Quando o Kingair parou na posição, ele virou o helicóptero de lado e desceu de uma só vez. Uma queda controlada. A alguns metros da pista nivelou e pousou. Logo depois chegou meu estômago.

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No Domingo antes da invasão, fui “procurado” por enviado da Unita. Um pedido simples, uma caixa de frangos e uma de carne. Autorização data fui buscar no container de frios atrás da cozinha com a carrinha. Ele muito me agradeceu. Junto levou umas grades de cerveja. este enviado foi quem depois subiu no carro e pediu para abrir caminha na caravana que foi dos escritórios a vila residencial

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SALSICHA, VODKA E CERVEJA

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Esta estória só tem um testemunho que pode contradizer e os tchecos que precisam traduzir no Google.

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O espírito sinérgico era o Luzamba. O espírito de servir era patente. Parte era a TEO e o grosso era a sobrevivência. O que um precisava, o outro contribuía. Tamos juntos.

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E nós os brasileiros estávamos experimentando uma internacionalização inovadora. Pela primeira vez a empresa não precisa do Brasil. O Brasil estava iniciando a abertura de mercado por ordem do Collor e Luzamba globalizou por ordem de Delta 1 e Delta 2. Vamos comprar onde for melhor. E Suprimentos comprava na África do Sul, Europa e Bahia.

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Só porque podíamos comprar em qualquer lugar do mundo, suprimentos comprou alojamentos novos de uma empresa tcheca. Não lembro se foi culpa do Bonilha do Guedes ou do Josué, mas Arabela certamente lembra do contrato. Era o Bangú iniciando ou parte do Bangú. Donjuan deverá lembrar.

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A nossa equipe de treinamento fazia a indução. Todos os que chegavam recebiam as informações da empresa e do projeto que era crime levar diamante para casa, que refeitório deviam comer e onde dormir. Não comer as cabrinhas que tinham dono. Não comer as angolanas para não ter SIDA. Não comer o cozinheiro, só sua comida.

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Um dia aparecem oito branquelas suando na sala de treinamento. Moita me chama e diz que estes são para você.

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Entro na sala e estão lá oito tchecos. Um deles falava espanhol, um falava inglês e outro falava alemão. O resto era tcheco, tcheco, tcheco.

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Depois da indução lá foram os tchecos para o alojamento.

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No fim da tarde, o Matos de projetos aparece lá e me pede para ir com ele falar com os tchecos. Tinha dúvidas nas plantas, nos desenhos, nos símbolos: precisava de apoio.

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Chegamos no alojamento dos tchecos, e lá estavam os oito de cueca tomando sol, sofrendo com o calor. Reunimos todos na sala deles e começamos a perguntar. Mattos perguntava em português, eu traduzia espanhol, inglês e alemão. E os tchecos, tchecavam entre eles, e respondia em alemão, inglês e espanhol. Depois de uma hora de deliberações, Mattos concluiu que tinha entendido a bagaça do projeto e foi buscar uma grade de cervejas. Quando chegou a cerveja, os tchecos pegaram uma garrafa de vodka, e apareceu um salame húngaro e um pão preto, e um violão.

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O nível alcoólico subiu rapidamente. A cerveja acabou e veio mais uma vodka. E o violão começou a soar. E mais vodka. Um tcheco ainda de cuecas cantava canções tristes de saudades que pareciam familiares no intento. E mais vodka. E veio uma canção triste. Os tchecos todas cantavam. E sustentavam uma nota alta que parecia um berro de bode. Foi quando eu berrei junto e estava cantando. Milagrosamente em Tcheco! Cantei desafinadamente bêbado várias músicas de dor de corno tchecas.

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Depois de mais umas vodcas, o Matos me tirou de lá e me largou na porta da casa. Como dividia o quarto com Zé Pedro, que por seus roncos turbinados, me obrigavam a só dormir ligeiramente alcoolizado, foi uma noite de sono tranquila.

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Moral da estória: para falar uma língua estrangeira, basta beber o suficiente.

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Quem não acreditar que pergunte ao Matos. Ou aos tchecos. Em tcheco é claro.

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Dia de Campo

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Quando se é novo de tudo e não se sabe o que não se sabe, o impossível não há.

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Fui entrevistado na Base Brasil pelo Jarbas Santana, e ele me falou uma frase importante, “não sei quem te está chamando para lá, nem sua experiência, mas nessa empresa o importante é decidir. Decida primeiro e se estiver errado corrige”. Quem me levou foi Alexandre Moreira para ser o Chefe de Setor de Treinamento. E me PA pactuado tinha que ser cumprido.

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No Luzamba, treinamento era coisa séria. Estava no contrato. Fazia parte da missão qualificar a mão de obra. Que me corrijam os financeiros de plantão, valia dinheiro na equação, e tinha um valor social altíssimo. Era parte da missão social para a Lunda. E servia para bater nos peitos, demonstrando ao cliente, à empresa e ao mundo que o compromisso social estava em andamento. Além de economizar um caminhão de dinheiros em contratação de expatriados.

No processo de treinamento, a primeira tarefa é fazer o Levantamento de Necessidades de Treinamento. Pelo menos à época assim o era. Estava com o curso de analista de treinamento recém feito. Todos os formulários preparados, e uma equipe: Moita no administrativo e Agnelo no operacional. Imprimi o questionário e lá fui entrevistar os gerentes das áreas. Precisava saber que instrutor e cursos contratar. Fred da geologia, me recebe bem e disse, não se preocupe todos os meus cursos já estão contratados. Mike Buchanan disse algo semelhante, falar inglês tinha sido uma vantagem, mas ainda faltava o entendimento. As áreas já estavam se virando ou não queriam saber de interferência de mais um menino da Odebrecht recém chegado.

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No meio da tarde, bati na porta de Johan Van de Stricht. Fui recebido, expliquei que precisava fazer o tal do Levantamento, e pedi que ele me disse que funções eram as mais prioritárias. Sua reposta foi bem simples e direta. E muito sério pediu para eu ir embora pois tinha tempo de ficar respondendo questionário inútil. Inesperadamente não havia a colaboração. Que belga duro. Era uma resposta que haviam me dito que podia acontecer. Insisti novamente, todos tínhamos uma função e meu PA era fazer o treinamento andar. Ai a jiripoca piou. Johan foi mais direto com o muitas vezes escutado, “vocês da Odebrecht”, nunca mineraram nada, não tem ideia do que é mineração. Pediu mandando novamente para eu sair. Respondi que até sairia, mas iria ter que narrar ao meu gerente que falar com gerente dele e eu ia voltar de qualquer forma. O caldo esquentou, e entre outras palavras esquecidas, me perguntou, na cara “você sabe o que eu faço”. A reposta de Gerente de Exploração Mineira foi inútil. E o que é isso, ele voltou visivelmente incomodado de eu não ter levantado e ido embora. Aí eu disse, não sei mesmo, mas se você me disser o que é eu aprendo. Foi neste momento que ele pegou o Motorola de cima de mesa. Eco 2, Eco 1. Eco 2 na escuta. Qual sua localização? Chegando em 15 minutos. Johan me olhou e perguntou, você quer mesmo saber o que faço. Então vai para campo conhecer. Fique ai até o Jorge chegar. E se virou para o seu PC Compaq e me ignorou.

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A porta abriu e foi rápido. Conhece o Fernando do Treinamento. Você pode levar ele pro campo amanhã. Jorge só falou, mas saímos as cinco e meia da manhã. Respondi um rápido, não tem problema, qual seu trailer. Nos vemos as cinco. E depois do campo eu volto aqui para conversar.

As 5:30 da manhã bati na porta do trailer do Jorge. Ele ainda estava dormindo. Entramos na Toyota, tive o privilégio de ir à cabine. A equipe de exploração foi subindo na caçamba. O sol ainda estava nascendo e paramos em Mucussuca. A equipe ficou por lá e ele começou didaticamente a me explicar a exploração mineira. Falou das camadas geológicas, da exploração em aluvião, lezírias, como remover as camadas, e quando para levar para as lavarias.

Em uma das áreas que paramos estava um D6 derrubando mata para poder iniciar a exploração. Fomos lá, ele pediu que o operador descansasse e subimos no D6. E me pediu para manobrar a máquina. Mostrou os comandos e o bicho andou. Passando por cima de tudo. Pediu que apontasse para uma árvore, me ensinou a subir a lâmina com a alavanca e mandou, vai para cima.

Árvore derrubada, entregamos de volta ao operador lá fomos para a lavaria. Novo curso de metalurgia, aprendendo o que era rejeitado, cascalho, concentrado e outras palavras velhos com novos significados. Chegou a carro da cozinho com a quentinha do almoço. A tampa usada como colher sem nenhum puder, jogando conversa fora numa sombra de árvore. Seguimos depois para outras áreas de exploração. Era um lugar com um desnível grande. A exploração lá embaixo, feita a mão nas panelas. Os homens levando baldes de recolhidos para a pá de uma 966. Assim não tem mais contato pessoal, foi explicado. Para cada homem tinha um segurança destacado, no nível mais acima outro grupo de segurança de outra origem ou etnia, e acima de todos os gurkas, com um irlandês de vigia.

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Muitas perguntas feitas e muitas dúvidas esclarecidas, de volta ao escritório. Jorge parou o carro na entrada. Eu entrei na sala do treinamento. Moita me olhou coberto de poeira e só exprimiu um eita. De prancheta em punho, bati na porta e entrei na sala do Johan. Jorge ainda estava lá. Agora sei o que é exploração mineira. Não sei tudo, mas sei que você precisa de operadores de equipamentos. Johan olhou para Jorge. Jorge fez um movimento de anuência com a cabeça. Johan com um esboço de sorriso falou que precisava de um banho. Falamos amanhã depois da de reunião de gerência.

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Neste único dia aprendi várias lições q que levo para a vida. Uma foi o companheirismo e a paciência didática de Jorge: uma pessoa diferenciada. A grande memória de Johan, que além de passar a adversidade do seu não para cumprir a missão, foi que para poder de entender as necessidades dos outro, você precisa entender o outro. Por isso nunca lembro do Sr Van der Stricht como um gerente duro, mas como o gerente que me abriu a porta para a exploração de diamantes. E hoje muito agradeço esta oportunidade.

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Bonfim, vc tem razão.

Ele não foi a 1o a sair do grupo. As vezes só queremos esquecer. E seguir adiante.

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Havia pessoas q tinham mais afinidades. Os pioneiros…. do qual não faço parte tiveram uma convivência muito intensa. E é justo que tenham lembranças mais fortes e mais coletivas. Com o passar do tempo crescendo o número de pessoas, e aumentando os espaços pessoais interações foram mais individualizadas. O rompimento de tudo em 92 cria efeitos psicológicos, que são difíceis de identificar. Não se sabe o que está por dentro de cada. De alguma forma há uma desordem de estresse pós traumático. Mesmo que tenha sido o PA não recebido.

Para mim este grupo tem sido importante para o sentimento catártico que de não ter sido o único q levou uma pancada inusitada da vida. E cada um vive com isso de alguma forma.

Mesmos os mais velhos, éramos mais novos. E o resultado são essas consequências somos o q somos hoje. Estou em muito apreciando as estórias de cada um como fluxo de consciência coletiva. Os retalhos do Luzamba.

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Chuveiro

Enquanto em Luanda o pessoal de lá ia para a praia, ilha e diversões variadas comendo churrasco de lagosta, no domingo em Luzamba, nos vingávamos trabalhando só de Bermuda. E só até meio dia. Também era fácil saber quando era sábado, os angolanos desapareciam ao meio dia.

E domingo era dia de churrasco e cerveja. As churrasqueiras feitas de tambor de óleo cortado. Uma passada na cozinha para pegar a carne. Algum trecheiro mais habilidoso preparava um arroz de carreteiro em uma panela de pressão. E às vezes uma maionese, arroz e farofa devidamente emprestada da cozinha. Quando apareciam as meninas, alguém se prontificava a pegar saladas mais variadas.

Não era um churrasco, eram vários. Nos trailers, nos alojamentos, no fundo da guest house, no, nas casas K alguma coisa e depois nos bangús. Sempre tinha um para dar uma passada, organizado por um queimador de carne entusiasmado. O importante era comprar a cerveja no supermercado e por para gelar antes. O trailer do pessoal da informática tinha uma geladeira grande na porta. E lá ficava a minha cerveja.

Os trailers ficavam em fila dupla com um container banheiro com 2 pias e 2 sanitários, uma porta de separação e 2 chuveiros ao fundo. Meu trailer, era 4o trailer antes de chegar ao banheiro à esquerda, bem em frente ao da Dra. Viviane. O chuveiro e banheiro não funcionavam. Disseram que tinha sido de Josué e ele que não gostava do banheiro apertado mandou inutilizar para que ninguém usasse. Nunca pedi confirmação e fica a culpa no Josué. Nessa época ainda dividia o trailer com Alexandre Moreira. Foi logo no início do meu Luzamba. Depois alguém mais ficou lá e antes me mudar, Cleusdeth, o novo Chefe de Setor de Serviços, passou a ser o companheiro de trailer, e finalmente convenceu Pipa e concertar o raio do banheiro.

Num domingo depois de subir andando o caminho para a vila residencial, indo para o trailer, o pessoal do suprimento estava no seu churrasco. Eu conhecia Josué do Projeto Santa Elena no Equador. Fui apresentado à equipe e ficamos comendo a carne, tomando cerveja e deixando o dia passar. Lá pelas 3 ou 4 da tarde, um dos companheiros, anunciou q ia se recolher. Passou logo depois com uma toalha e saboneteira da mão a caminho do banheiro. Com muita cerveja, as idas ao xixizório eram constantes.

Não lembro quem foi ao banheiro, mas voltou correndo, chamando todo mundo. Vem gente, vem rápido. E sem entender o que nem porque, o grupo de umas dez pessoas entrou pé ante pé no container banheiro. Não faz barulho. E lentamente abriu a porta dos chuveiros e lá estava aquele que tinha se recolhido, nu no chuveiro, de costas para a porta, batendo uma punheta.

Foi um grito só: Punheteiro!

E a gargalhada foi geral. Nosso amigo parou no meio do prazer solitário e reclamou. Porra, nem punheta sozinho eu consigo mais. Vão se embora.

Saímos em risadas e conversas e esta estória ficou nos anais do Luzamba, tendo sido devidamente compartilhada por todos, e sendo um dos focos do mujimbo da segunda feira.

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A trailer do Alberto era meu bar predileto no Luzamba. Mesmo depois q ele foi embora. A tradição continuou

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O Cercamento

Preambulo

Toda narrativa é própria, com um sujeito dono do seu fato pessoal. Mesmo descrições isentas carregam em si esta dicotomia de mentira e verdade experimentada pelo escritor. Ao narrar uma experiência coletiva, várias luzes e lentes apontam para o mesmo fato, com impressões registradas de forma filtrada pelo sujeito narrador, transformando em objeto de si mesmo. Em Luzamba, o dia a dia era assim. Um coletivo diversificado, trazendo suas habilidades individuais para um objetivo único de conquistas, nunca antes experimentadas. Ficamos todos nós participantes da narrativa como reflexos do que foi vivenciado. E cada memória, um retalho. Que costurado com a linha invisível de uma ideologia comum e das emoções fortes vividas, revividas em lembranças alheias como próprias, transforma-se em um único tecido. E é nesta colcha estirada que se equilibra um evento com grande massa e extrema densidade: a invasão. Com uma força gravitacional tão forte que provocou na vida de todos o impacto de uma dobradura temporal. Como se, naquele momento, houvesse uma quebra na trajetória normal da vida gerando uma criação de um universo novo distanciando. Não é de se admirar que os partícipes estivessem e ainda estejam todos conectados de alguma forma a este evento de alteração de vida cuja física eisteniana nos obriga a mover dentro do caminho dos mesmos encontros e reencontros.

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O dia anterior a invasão, era uma sexta-feira. As eleições tinham acontecido há exatamente um mês. E o resultado não tinha agradado aos perdedores. Em Luzamba tínhamos notícias que havia guerra em Luanda. Nunca Luanda havia sofrido combates. Nossa percepção era que em Luanda estariam todos seguros. Nós éramos o alvo. Uma área de produção de riquezas, que historicamente já fora utilizada para comprar as armas da guerrilha e muitas mortes já havíamos presenciado nestes meses de operação.

Já na quinta-feira se havia registrado uma grande quantidade de trabalhadores faltantes. Sabia-se de movimentos dos guerrilheiros da Unita na região. Havia sido dada a ordem de recolher as equipes de campo. E parar a operação. Trazer todos para a vila do Luzamba. Havia a equipe do Tázua, que acampava por lá. E o pessoal da fazendo pelos lados do Cafunfo. Haveria a evacuação, era uma questão de tempo.

O projeto estava em plena produção. O grupo de gerentes estava divido entre Luzamba e Luanda. A empresa tinha uma estrutura de cargos bem definida, quase militar: gerente de contrato, gerente de área, Chefe Setor ou encarregado geral na produção, Chefe de Seção ou encarregado de serviço, e as equipes. Em Luzamba as hierarquias eram complexas. O gerente de Contrato era Delmar. O sobrenome Siqueira só era usado por escrito. O gerente administrativo era Alexandre Rocha. E o Chefe de Setor de Patrimônio Humano, pois que naquela época chamar de recursos humanos tinha ranço de antiquado, era Alexandre Moreira. E eu era o Chefe de Setor de Treinamento. Um chefe de setor debaixo de outro chefe de setor. Na área de suprimentos tinha gerente debaixo de gerente. Em equipamentos também. Na estrutura hierárquica do Luzamba antiguidade também era posto, aprendi no dia a dia do projeto. Como Alexandre Moreira estava em viagem, eu fui devidamente nomeado seu substituto eventual 3 semanas antes, em uma comunicação interna a todas as áreas, seguindo a política de comunicação publicada por Alexandre Rocha.

Após o breakfast na Guest House, desci andando para os escritórios. Havia um contingente menor de angolanos. Estava um burburinho diferente, com uma sombra de algo sério a acontecer. Havia um plano de evacuação que me era desconhecido. Ou seja, eu era da equipe que seria evacuada e não que evacuaria, pensei eu. Já havia a ordem de recolher as equipes do campo. Eu peguei um rádio Motorola que estava com a equipe de Serviços Gerais e pus na cintura e passei a escutar o canal 2 com mais atenção. Alexandre Rocha era Alfa 1, Amaro era Alfa 2 e os demais não lembro mais. Eu não tinha um número assignado ao alfa. O dia passou lento, sabendo que os gerentes estavam discutindo a evacuação. A minha ignorância era uma benção.

Na entrada da área operacional tinha um portão com um segurança. No desenho dos escritórios, no primeiro corredor à esquerda era a área administrativa. A primeira porta à direta era Gerência Administrativa, com Alexandre Rocha na sala do fundo e no salão da frente a secretaria geral com Ivete, Marise e Vicky. No próximo corredor à direta, ficava o Departamento de Pessoal com Lucival e Jobson e o recurso local Joaquim*. Na sala em frente estava Recrutamento e Seleção, com Marcia Garrido e Fátima. E no corredor à esquerda, Serviços Gerais, Treinamento e Serviço Social. O treinamento ocupava 2 containers de 20 pés inteiros e mais um terço. Minha sala junto com Alexandre Moreira era o pedaço de um terço de container com 2 mesas frente a frente. A outra parte do container dividido com um tabique era o serviço social, com Celisia, Conceição e Eliana. Um dos containers era a sala de treinamento, onde dávamos os cursos teóricos e indução dos trabalhadores e no container do meio ficavam 2 mesas para os instrutores, uma mesa com o nosso computador Compaq e uma impressora Epson. O treinamento tinha recém recebido um Toyota Bandeirantes fabricado no Brasil para poder ir ao campo. Tinha assinado um Doc Mat e escrito um jipe Toyota. Tive que mandar a informação no patrimônio, pois que no meu relatório de custos enviados pelo o Altair ter sempre constado um veículo que nunca tivemos o uso, pois tinha sido encampado par a produção meses antes – prioridades.

Neste dia todos os treinamentos tinham sido suspensos. Eram 3 instrutores brasileiros e 2 angolanos. Todos ficaram nos alojamentos. Só o Moita, instrutor e administrativo da área, o instrutor angolano Almeida* ex-militar das FAPLA e o nosso estagiário, Joaquinito estavam no setor. Joaquinito com dezoito anos e me tratava como se fosse seu pai desde o dia que, como auxiliar de limpeza, ao varrer o treinamento, falou que queria aprender a usar o computador e pediu uma vaga. Ele não levava jeito, mas era uma esperança. Muito aprendi com o Almeida, sobre como era organizada a estrutura das Fapla e da Unita e como os grupos muitas vezes conviviam para que as comunidades os mantivessem, até quando pudessem atacar uns aos outros. Os dois angolanos conversavam que a coisa estava a ficar preocupante. E que a coisa ia complicar. Muitos movimentos no Cuango. E já vão a chegar no Cafunfo. A Camanga vai correr solta. Cruzava com alguns outros no corredor, com semblantes preocupados. Os gerentes estavam em reunião. Foi um dia de não trabalho, somente prontidão, como dizia Amaro e conversas de pé de ouvido.

Já era noite, ao sair do jantar na Guest House, recebi o recado para ir ao quarto do Tristão. Tristão era da produção; encarregado de terraplanagem e rádio amador. Ele tinha um equipamento HF. Seu prefixo Delta Dois Alfa Zulu Papa Delta, Tristão de angola para o mundo – fazia com que conseguíssemos falar com nossas famílias sem pagar os 9 dólares por minuto do Inmarsat. Tristão falava com Castro, um angolano que morava no Leblon, e com outros radioamadores do mundo, mas a nossa conexão era América – Papa Ianque 7 AEC – uma senhora amabilíssima de Curitiba. America tinha uma maricota, e fazia a conexão do rádio com o telefone, chaveando manualmente. Ela era tão importante para o Luzamba, que havia pouco, a empresa comprou um phone patch automático para ela. O processo era simples, fazíamos fila na porta de Tristão. Dávamos um telefone e uma hora. Ele e América faziam a conexão. E ela ligava a cobrar para o telefone e falávamos alguns minutos de forma simplex matando as saudades e trocando notícias. Ao chegar, Tristão chamou América e ela disse que minha namorada, com quem em casei 2 anos depois, tinha ligado com urgência. Ao fechar conexão da ligação a cobrar, Bia chorava do outro lado do mundo. Eu olhava para Tristão, e seus 3 companheiros de quarto e mais a fila de pessoas na porta do quarto sem entender. Até que no meio dos soluços ela falou: papai morreu hoje. América interrompeu o phone patch. Pedi a América informasse que iria ligar pelo Inmarsat. Soube depois que América confortou Bia enquanto eu me deslocava para o telefone.

No caminho entre o alojamento de Tristão e o carro, escutei no rádio que o Cafunfo estava sendo invadido. Devia ser umas 7 da noite. Na mesma hora, veio e pergunta: e o pessoal do Cafunfo e da fazenda? Não tinha notícias. No rádio tentava-se contato. Ivon estava numa trajetória complicada. Nós preocupados que ele conseguisse chegar no Luzamba. Como mandar uma equipe de resgate, sem saber onde estavam. As comunicações estavam incessantes. Aprendi com Amaro, que nestas horas, melhor escutar quem tem ação a tomar. O canal da segurança era bastante congestionado, mas precisa ficar no canal 2.

No Bandeirantes cheguei no escritório e pedi uma ligação. Fui para a cabine, e choramos juntos. E durante longos 40 minutos me senti impotente em ajudar uma das pessoas mais importantes da minha vida. Uma sensação ruim. Ela queria que fosse ao Brasil. Eu queria ir. Chegar para a missa de sétimo dia. Não sabia como, mas iria acontecer.

Desliguei o telefone, aumentei o volume do rádio e havia informação que Ivon estava seguro. Ou seja, não estava em mãos da Unita. Estavam buscando um caminho. Voltei a área residencial. Fui ao nosso bar tradicional: o trailer do pessoal da informática. Não havia ninguém. Era uma noite de expectativas. Cruzei com Patrícia Rangel. Ela dividia o trailer com Dinah ao lado. O rádio não parava com as notícias e ela perguntou, como ficaria. Patrícia era sobrinha de um funcionário de Capanda. Tentamos nos tranquilizar, com a certeza de que não sabia o que iria acontecer. E fui para a casa. Pus o rádio para carregar a bateria. Esperando a notícia de que a fazendo tinha sido invadida. Na nossa casa recém reformada, entrei e meu companheiro de quarto junto com Claudio Zamith, Zé Pedro estava na sala. Com seu jeito de papai noel e maria fumaça perguntou se estava tudo bem. Não tinha muito a dizer. Lembro que ele falou que morte de sogro podia ser um motivo a pedir licença. Mas eu não era casado. Falamos sobre uma possível evacuação e no aeroporto recém inaugurado com um avião Hércules C130 de prontidão e uma avioneta pequena na pista. Ficamos escutando o rádio e nesta noite dormi leve escutando os barulhos, atento ao rádio. Tinha começado o cercamento do Luzamba pelas tropas da Unita e nós estávamos ali no meio.

*: os nomes podem não ser estes, mas estão em confirmação.

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Minhas Camas

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A frase não ter exclusividade, só prioridade, se aplicava a muitas coisas no Luzamba. Inclusive a cama. A sua cama só era sua, se vc estivesse em cima dela. Alguns diziam que nem assim, e tinham que dividir a cama com outra pessoa. Mas cada um que conte a sua estória.

Minha primeira cama ao chegar em Luanda foi no Hotel Costa do Sol. O companheiro de quarto era o Gerson da telecom. Quando ele chegou de noite, nos apresentamos. Disse que tinham me colocado o ali. Ele falou que era assim mesmo. O quarto era dele, mas a outra cama tinha alta rotatividade.

Cheguei junto com Alexandre Moreira e Genésio Couto. Genésio era da sede e fazia parte da estratégia de implementar PA, integrar as equipes multinacionais, e criar melhores condições para todos. Tudo isso parte do PA de A. Moreira. Mas essa estória é dele para detalhar melhor.

Ficamos uns 3 dias em Luanda até conseguir vaga em voo para ir para Luzamba. Foi quando conheci Sonia Cahu. Ela já conhecia os outros 2 companheiros de viagem. E neste momento descobri o seu dom de guia de turismo. Em seu carro nos mostrou Luanda: a ilha, o forte, o km 14, Futungo, o Miramar, a Vila do Gamek e a vila da Xuxa que ela ainda estava finalizando. Muitos anos depois, conheci outras cidades do mundo com Sonia, sem nunca esquecer essa primeira impressão Africana.

A segunda cama foi na casa dos ingleses. O King-Air pousou na Cafunfo. Fomos recebidos pela equipe do Cafunfo. Não lembro mais o nome do apoio. Tinha um micro-ônibus e uma Toyota cabine dupla. As malas foram no ônibus e nós na Toyota. Depois descobri ser um privilégio. A estrada era esburacada e demorou uns 40 minutos. Chegando na vila residencial. Uma área cercada de concertina, com 3 de base e 3 de altura. Só as cabras passavam pela navalha cortante do arame. E os miúdos. Como passavam era um mistério.

Ao passar o portão da segurança, uma pracinha com um poste com 3 lâmpadas. Não era uma praça, mas um divisor de trânsito, bifurcando para a direita, uma área de estacionamento e uma rua que seguia semi circular. Nesta rua estavam as casas da vila residencial do tempo da Diamang. Para a direita umas 3 ou 4 casas. As duas que estavam reformadas a direita eram as casas das mulheres. Para a esquerda mais umas 10 ou 12 casas. Uma destas era um refeitório, atrás tinha o supermercado, e uma cozinha. Mais atrás ainda, a lavanderia.

Do outro lado da rua, uma construção grande, com varanda: a Guest House. Estava recém reformado, com cozinha, área de frios, refeitório, salão de jogos, sala de televisão e os quartos dos gerentes, chefes de setor e mais antigos. Além de ter quartos de trânsito mesmo, tipo hotel.

No terreno em frente as casas menores, havia uma rua de trailers. Mais atrás já tinham os alojamentos de container metálicos. No final da rua de trailers, um container banheiro. E mais alojamentos ficavam mais abaixo da estrada, que se chegava depois de passar uma casa pré-moldada de madeira – o centro recreativo/cinema e o gerador-turbina do Arede.

Nem todas as casas eram de nosso uso. Algumas estavam ocupadas por antigos funcionários do Endiama e que somente poderiam ser realocados, após Djean construir casas novas. A pressão era grande, mas não havia como fazer casas, e lavaria, e segurança e sorting house tudo ao mesmo tempo.

Quase em frente ao container banheiro do outro lado da rua era a casa dos ingleses. Perereca me levou ali. Na porta ficavam as botas. Muitas botas. Era ordem de Barbara, esposa de John O’Glesby. Tinha uma cama de alguém que lá não estava. Fui tomar banho para o jantar na Guest House. O banheiro era escuro, e o box do chuveiro estava com água empoçada até o tornozelo. Entrei assim mesmo de sandália de borracha e achei o ralo. Dei umas pisadas fortes no ralo e a água começou a descer. Esses ingleses são porcos mesmo, nem para desentupir o barro que fica depois do banho, pensei eu.

Ao voltar ao quarto a noite, a casa estava cheia. Depois de apresentações mútuas, um disse: So you’re the one sleeping with me. Not for long respondi a Brian.

Minha terceira cama, aconteceu três dias depois, quando Perereca me falou que iria para um trailer, junto com Alexandre Moreira. Um luxo, achei. O banheiro não funcionava e teria que usar o container coletivo. No meio da noite, esfriou. E vesti a calça de moleton, a calça jeans e mais a outra calça jeans, uma sobre a outra, e também, o suéter e o casaco e me cobri com o cobertor fino que me tinham dado. E ainda me enrolei com a tolha de banho. E descobri ser o trailer é uma estrutura pecilotérmica. De dia era um calor insuportável e à noite uma geladeira. Não estava preparado para esta. Consegui uns outros cobertores três dias depois e atinge o conforto! Alexandre Moreira foi transferido para a Guest House. A segunda cama do trailer virou de alta rotatividade, até chegar Cleusdet, o novo chefe de setor de serviços gerais, quem finalmente convenceu Pipa arrumar o banheiro.

Minha próxima cama foi em Luanda. A missão era conhecer. Augusto informou que tinha vaga na Xuxa do Pettená. Fui a noite depois de jantar no Miramar com Sergio Nascimento, o responsável por pessoal de Luanda. Apontou com o dedo e falou é aquela lá. Chegando perto, em volume alto tocava uma opera, com o tempo não lembro mais se Wagner, Verdi ou Mozart. Pettená estava na salinha, e apontou para o quartinho. Seria uma noite só. No dia seguinte fui a Capanda e ao voltar, dormi nos containers da Vila da Xuxa. Minha quarta cama.

Naim ficava entre Luzamba e Luanda. Mais em Luanda. O quarto dele na Guest House tinha duas camas. Dinah já a responsável pela Guest House, me levou no quarto de Naim e falou: Naim está em Luanda. Não mexa em nada que ele é chato. Ele não vai vir para Luzamba por agora e vc vai ficando aí. E me indicou a cama perto da janela: minha quinta cama. Dividi o quarto com Naim sem nunca o ver. E sem nunca ele saber. Minha melhor época. Banheiro privado, quentinho. Uma maravilha. Só não podia tirar minhas coisas da mala.

Minha sexta cama foi em Luanda novamente, na Xuxa do Sergio Nascimento. Passeis 3 dias para contratar Lito Silva, um cartunista do Jornal de Angola, para fazer o nosso Jornal de Luzamba. Um projeto de comunicação social com os trabalhadores. Neusa estava por lá e deve lembrar.

Ao voltar a Luzamba, Djean já havia reformado mais uma casa para os chefes de Setor. Minha sétima cama foi em um quarto suíte dividido com José Pedro, seguros e Claudio Zamith, projetos. Deixei minhas coisas no armário e fui para o bar da informática. Ao chegar tarde da noite, já estavam todos dormindo. Inclusive Zé Pedro. Só que Zé Pedro não dormia tranquilo, ele roncava, ou como ele mesmo dizia, turbinava. Não consegui dormir e fui para o sofá da sala, amaldiçoando Naim por ter voltado de Luanda. Na manhã seguinte Zé Pedro pediu desculpas. Ele ficou me esperando chegar, mas demorei muito. Ele não aguentou. Que fazer? Nas próximas noites, entornava o Old Park cedo, e alcoolizado o suficiente, chegava antes de Zé Pedro dormir. Um dia de manhã Zamith me falou o segredo dele: abafador de ruído, que ele pegou com o piloto de helicóptero. Foi boa a sugestão. Apesar do Zé Pedro roncando e da motoscraper a noite toda na terraplanagem do aeroporto o quarto era ótimo; e por um erro de conexão, a privada da nossa suíte, dava descarga com água quente. Ao sentar, ainda sentia o bafo da descarga anterior. Como explicado por Djean, é mais barato deixar assim continuar reformando as casas.

Minha última cama em Luzamba foi durante a invasão. Eu não dormi nenhuma das noites. No dia 1º de novembro à tarde, estava irritadiço e o Dr Sergio me mandou dormir. Peguei um colchão e me deitei ao lado da mesa de sinuca. Dormi umas 2 horas profundamente. O suficiente para ficar a noite junto com o Ricardinho, Sócrates e Reginaldo vigiando no Inmarsat. A minha próxima dormida foi na rampa do Hercules da FAB, mas já não era Luzamba.

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A invasão

Preambulo

Luzamba era mina-obra-projeto-social, onde o comportamento pessoal, o negócio e o interesse coletivo se interconectavam realimentando novos modelos, criando uma realidade fractal. Na epidemia de cólera que presenciei, centenas estavam condenados a morrer. Usando a estrutura de comunicação com os Sobas, criada para evitar greves violentas, foi-lhes ensinado que precisava ferver água. Este ‘ferver água’ foi ponto de ruptura, cuja consequência foi salvar de vidas, sendo esta consequência de um evento greve anterior. Assim era a equipe do projeto. Estávamos ali não por acaso, mas por termos feito parte de conexões anteriores: pela empatia com o líder, por ter sido de Angra-Pedro do Cavalo-Santa Elena-…; por uma recomendação forte ou apenas por ter, sem saber, ter sido empurrado pelo rufar da asa da borboleta, aceitando fazer parte do sistema complexo do Projeto Luzamba.

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Centro de Gerenciamento de Crise

O sábado dia 31 de outubro começou cedo. Ninguém foi ao campo. E os que estavam, receberam a ordem de voltar. Os alojamentos estavam cheios com todos apreensivos. No rádio, já se sabia que o Cafunfo estava tomado pela guerrilha. O pessoal da fazenda tinha feito contato e vinham a caminho. Com a morte do sogro na cabeça, não tinha dormido nada, ficando acordado até tarde com Zé Pedro.

Antes das 7 da manhã, já estava caminho dos escritórios. Fui na minha sala, esperei o Moita chegar. E fui na sala de Alexandre Rocha, com o intuito de dizer que precisava ir para o Brasil. Amaro estava lá com ele. Ao me ver, apenas falou: já ia te chamar, vamos evacuar todos. Você precisa organizar a lista dos voos. E quantos voos precisam. Cada Hércules leva 180 a 200 pessoas. Mulheres, visitantes, maiores de 60 e consultores devem sair primeiro. Primeiro os expatriados e depois os nacionais de outras regiões. O Centro de Crise vai ser na Guest House. Vamos todos para lá.

O meu problema pessoal desapareceu diante desta missão.

No DP estavam Lucival e Jobson. Informei que teríamos que fazer as listas de pessoal. Na impressora tínhamos os nomes de todos. Mas precisava fazer a seleção. Exportamos o arquivo texto para o Paradoxx. Os consultores não estavam na lista. Estes só estavam no BD de crachás.

Os poucos angolanos disseram que a Unita tinha invadido o Cuango. Naquele momento estávamos cercados. E veio a ordem de evacuar os escritórios. Não tinha outra saída que não fosse o aeroporto. De lista em punho subimos para a área residencial.

Na Guest House a sala de TV era o centro de crise. Mostrei para Alexandre as listas, confusas ainda. Era a listagem alfabética e estávamos fazendo a seleção à mão. Quando sai da Guest House, vi decolar o avião pequeno. Eram os representantes da Endiama sendo retirados. Era consenso que eles deviam sair rapidamente, pois como representantes do governo, estariam em mais risco. Alexandre me chamou e disse para ir ao aeroporto falar com o piloto da Transafrik, ele estava dizendo que ia decolar e não tinha nada a fazer ali. O Sierra Juliet que era o nosso avião de evacuação tinha decolado de manhã e não tinha voltado ainda. Era precisa garantir o Transafrik. Já se havia pedido para retirar o tanque de combustível do avião, mas o piloto insistia que não podia ficar esperando. Ele tinha que decolar, com ou sem gente dentro. Pedimos via rádio para colocar o caminhão baú na frente da aeronave. Não lembro de quem foi a ideia, mas o Gilberto da elétrica dirigiu o caminhão. E por que eu ir ao aeroporto? – eu falava inglês.

Peguei o carro de Delmar, um Toyota 4Runner prata estava com Alexandre e fui para o aeroporto. O piloto sul africano estava bravo. A primeira frase foi you’re commiting an international crime. E daí piorou. Esse caminhão na frente é sequestro, vocês não podem me segurar aqui, os guerrilheiros estão chegando, entendo fazer a evacuação, mas é para ser agora. Conversei com ele e convenci que ele não podia decolar, que podia ter guerrilheiro no mato e podiam derrubar o avião e somente podia decolar com a autorização nossa e deles, que tínhamos conversado em fazer uma evacuação planejada e eles entrariam sem violência. Chamei ele para vir comigo conversar com o Centro de Crise. Ele não quis. Gilberto me garantiu que o avião não iria a lugar nenhum. O piloto concordou em esperar a permissão que prometi que ia ver. Tínhamos um controlador de voo português contratado pelo Pettená: Fernando Simões. Foi dito a ele que as decolagens não estavam autorizadas. Mas como ele disse, se o avião decolar como segurar.

Sai do aeroporto e fui para os escritórios. Entrei direto no CPD. Eu tinha bom relacionamento com a equipe. tanto que Omar várias vezes me perguntara se eu não tinha mais o que fazer para não atrapalhar os meninos. Estavam todos lá em processo de backup. Omar, Paul, Josuezinho, Menezes, Garcia e Andrezinho. Precisava rápido de uma lista que tivesse os critérios de evacuação. André se dispôs a ajudar a gerar as listas e adicionar os critérios. O processo era complicado, exportar os arquivos txt do sistema básico, associar ao BD de crachás em clipper, identificar sexo, e criar as queries.

Foi quando os tiros começaram. E explosões. Rajadas em volume variado com um bum, bum, bum. E no telhado do CPD estavam clique, clique dos projetis batendo. O CPD ficava numa área bem interna e era de alvenaria. Eu me abaixei por reflexo, e ao olhar em volta não tinha ninguém. Todos embaixo das mesas. Eu não estava presente no evento anterior de violência e não tinha dentro de mim a reação de me abrigar com eles. André falou logo, vamos morrer e abaixa aí. Os tiros ficaram mais fortes, próximos. E se afastaram. Bateram na porta. Fui abrir, e gritaram comigo para deixar trancado. Pensei e falei, e guerrilheiro vai bater na porta e a voz da Myrian, do outro lado, em deixa entrar. E entrou Myrian e Maribel. Logo depois entrou Conceição. E mais alguns. Ficamos esperando chegar o silêncio.

Quando os tiros pararam, peguei os papéis com as listas impressas e partimos para a área residencial.

Quando estava saindo, o segurança angolano que estava na porta, saiu escondido e pediu. Me salva chefe, vão me matar. Não sou quioco, vão me matar. Ele tirou o uniforme da segurança. Abri o carro e escondi atrás do banco traseiro, puxando a cobertura da SUV. Não sai daí sem que eu diga. E colocamos uns panos em cima. Myrian falou que o almoxarifado estava cheio de gente. E na área de equipamentos também.

Começamos a nos reunir sem saber o que fazer, o que tinha acontecido de verdade, se estavam na área residencial, se tinham mortos. No radio não se falava nada. Perguntei se podia subir. Alguém disse que sim. Na estrada que ligava os escritórios à vila, passavam pessoas correndo, homens e mulheres, alguns com armas na mão. Não se sabia mais quem era quem.

Organizamos uma caravana de carros na frente do hospital. Eu com o carro de Delmar na frente. E uma fila de outros atrás. Frank de materiais veio correndo e falou que precisava de uma bandeira branca para eles não atirarem. Ele tirou a camiseta branca que estava vestido e se sentou no capô da Toyota. Falou, vai devagar. E começamos a seguir em direção a vila. Ao sair do portão dos escritórios, Frank agitava a camisa como se fosse bandeira. E seguimos lentamente. Os carros estavam com os vidros abertos. Um guerrilheiro com uma AK, veio correndo e gritou é o Chefe, é o Chefe, deixa passar. E correndo se pendurou no estribo da 4Runner, passou o braço por dentro da coluna e levantou a AK. E me falou não te preocupa chefe, não te vai passar nada. E outros garotos guerrilheiros começaram a correr ao lado do carro. Nunca soube o seu nome, mas acho que foi este salvo conduto foi dado por um dos muitos alunos dos treinamentos fizemos.

Ao entrar na Vila residencial estava em frente a Guest House Alexandre Rocha, Pedro Chaves e Vilarinho e mais um grupo de outros. Escutamos um tiro e uma gritaria. Um guerrilheiro mandou estacionar o carro do outro lado, em frente a casa das mulheres. Os carros foram chegando e parando. Saímos todos do carro e falei para o segurança, fica ai e não se mexa.

Ficamos esperando e Alexandre Rocha e os demais se voltaram para entrar na Guest House. E os guerrilheiros começaram a dispersar. Fechei o carro com a chave e fui para a Centro de Crise com as listas de pessoal. O caldo tinha derramado e agora a retirada programada tinha ido para o Brejo

Primeiro Voo

Os gerentes estavam reunidos na sala de TV da Guest House. Faltava Paulo Ramos. Eu tinha 2 opções ficava a ajudava na evacuação ou passava a bola. Amaro tinha me perguntado se eu estava bem. Respondi que sim. Como eu não tinha a dimensão do que estava acontecendo e só conhecia o pouco que me estavam informando, parecia que era mais uma tarefa a cumprir.

Alexandre pediu que fosse falar com o piloto de novo. Perguntou das listas. O que tinha eram as impressões do sistema. E que o avião sairia proximamente. Foram buscar as mulheres. Na frente da guest house começou a juntar gente. O piloto estava na guest house. Ao me ver foi logo dizendo: I told you. We should have taken off hours ago. There is no negoatiating with guerrilla. Novamente expliquei o que estávamos planejando. Dessa vez ele teria outras pessoas com quem conversar. Estava começando a escurecer e para poder decolar, começaram o por latas com combustível na pista para fazer a baliza. Criamos um sistema de senhas. Eram 2 números iguais. Cortei papel em quadrados na beira da mesa e numerei. Eu rubricava e Dr Sergio também. Toda senha tinha 2 assinaturas que tinham que bater o com número que estava na mão de quem ficasse na porta do avião. Só assim saberíamos quem iria embarcar. Isso não funcionou. A senha de contraprova não foi mais utilizada. Demos os números para as mulheres. E para os demais que tinham prioridade. Os angolanos tinham que ir também tinham medo de ser abandonados. Se nos deixarem aqui vão nos matar.

Soube que Paulo Ramos tinha sido encontrado. Ele tinha se escondido no vila do Bala Bala no meio da confusão e somente depois de garantir que estava tudo bem voltou. Estava visivelmente alterado. Ele foi trocar de roupa e recebeu uma senha. Alexandre pediu que tirasse do grupo todos que estivessem com medo, que pudessem causar problema. Não sabíamos quanto tempo íamos ficar ali e precisava manter a equipe.

Quando anoiteceu tinha a certeza de que toda a peãozada estava viva. E isso já era muito bom. Desde as eleições os passaportes que ficavam no DP, tinham sido distribuídos aos trabalhadores. Alguns poucos que estavam no DP, foram entregues neste momento.

Já tinham começado os saques e havia uma sensação de insegurança geral. Guerrilheiros e pessoal local começaram o pegar tudo que tinha pela frente. Entravam nas casas, que não tinha gente, nos alojamentos, no escritório. Entraram na guest house e foi combinado que lá dentro não ia ficar nenhum guerrilheiro.

No cair da tarde, parecia que todos os expatriados estavam na Guest House. Uns dentro, outros no jardim em frente. Cada um com sua cachorrinha. Era o que se podia levar. Quem tinha mais bagagem do que a mala de mão, entregava a mala e esta ia para uma pilha ao lado dos ônibus. Depois todas as malas foram colocadas na caçamba de um caminhão. Muitos tinham comprado TV com vídeo cassete, sistema de som, rádios e outros produtos importados que no Brasil era muito caro. Jucá tinha um verdadeiro estúdio no seu quarto. Quando ele ligava o som, a Guest House toda escutava. Estes não teriam como embarcar.

Aos poucos alguns foram pegando comida: pacotes de biscoito, pão queijo, frios, estavam sendo consumidos. Começamos a distribuir as 180 senhas. Depois das prioridades: a ordem era alfabética. Os médicos deviam ficar caso necessário. No Jardim da Guest House, na escada da varanda eu fazia a chamada, um a um pelo nome. A pessoa entrava pelo corredor dos quartos e ia esperar no pátio interno da cozinha pelos ônibus. Tinha um segurança dirigindo um dos ônibus, Moita e Gilberto nos outros. Segurei umas 20 senhas na minha mão e fui andar no meio de todos. Perguntava como estava, se tinha alguém mis nervoso, e dava as senhas para quem precisasse. Tive que numerar de 180 a 200 e continuei no meio dos trabalhadores. Selecionando os que não tinham estrutura de aguentar mais uma noite. Alguém me pediu, deixa eu ir, tenho problema de coração. O instrutor de treinamento de construção civil era um senhor de 70 anos. Um dos mais velhos. Dei a senha para ele, ele me agradeceu e disse que não precisava. Já tinha vivido bem e não era essa situação que ia deixá-lo ali. Insisti com ele. Mattos trabalhava com o filho. Os dois iriam juntos.

As 9 da noite os ônibus saíram para o aeroporto. Voltei para a sala de crise. Sentei entre Miguel Calado e Dr Sergio Moreira. E comecei a revisar as listas para identificar quem tido sido evacuado. Não dava para ter certeza. Tiquei em ordem alfabética e tentei me lembrar. Mas pelo menos agora todos os que tinham sobrado faziam parte da folha e o nome estava ali para os próximos voos.

Não fui ao aeroporto, vimos o Hercules decolar. Não tinha nenhum guerrilheiro a vista. Fui até o carro, abri a caçamba e falei pro segurança que estava escondido desde de tarde sair, ir trocar de roupa e esconder o crachá. Voltei para a sala de TV da Guest House. Na mesa tinha uma garrafa de vinho bom. Tomei um gole com Pedro chaves, ele falou é isso My friend.

Era o momento de fazer novas senhas para o segundo voo. Os que dormiam na guest house se recolheram para os quartos. O burburinho diminuiu e muitos dos que estavam no jardim voltaram para os alojamentos próximos. Os demais entravam na guest house. Apareceram colchões e colchonetes e cobertores. E cada um foi se esticando num pedaço. Todos juntos. No refeitório, nos corredores, onde tinha um pedaço de chão alguém se esticava, andávamos entre as pessoas dormindo. Uns já roncavam alto.

Em um dos quartos, o pessoal da Telecom instalou um Inmarsat. Com a janela fechada. Ricardinho me mostrou. Sócrates e Sergio Deloco estavam lá. Deloco era consultor visitante, mas disse que não iria no primeiro voo. Reginaldo entrava e saia agitado. Sentei com eles e ficamos deixando a noite passar esperando saber notícias do avião ter pousado em Luanda e quando voltaria para nos buscar. Veio a informação que Luanda estava sob ataque. Não dormi esta noite.

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Tinha um encarregado da olaria não lembro o nome que emprestou a motosserra para a festa de halloween e me ensinou a usar.

Eu estava com uma máscara de Jason.

Com a motosserra ligada no salão. Entrei como um louco brandindo a motosserra na cara das pessoas.

Tínhamos tirado a corrente. Mas o barulho era de assustar.

Alexandre Moreira de vampiro no caixão.

Esse encarregado da olaria teve um problema com a equipe. Teve uma mini greve na olaria. O sindicado quis interferir. Colocamos todos na sala do treinamento. Alguns falavam português limitado. O encarregado falava nordestino carregado.

Era prática depois do dia de trabalho parar na Rio para tomar banho.

Nesse dia estavam atrasados. E ele falou q se não cumprisse a produção não ia dar tempo de tomar banho. E completou com a frase: vcs tem sorte de parar para tomar banho. No Brasil peão não tem nem como parar para cagar no trabalho. A equipa entendeu q daí para frente eles não poderiam mais fazer às necessidades e com isso a reação de greve

Demoramos umas 4 horas de reunião para esclarecer a mal entendido linguístico. E passou a fazer parte do programa de indução falar sobre as diferenças culturais e linguísticas da região. Onde português era 2a língua. Muitas vezes bem limitada. Tinha uma atenção especial ao uso de palavrões. Muito comum no Brasil e para os portugueses, mas q em Angola não era comum e era falar de respeito.

O encarregado teve q ficar uns dias no alojamento até ficar bem esclarecido. Fizemos um evento de confraternização na olaria. E voltou ao normal. Com a observação de ter cuidado com a como ‘falar bem’. E poder se entender

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