Estórias de Cada Um

CUNHA

Homem de terno e gravataDescrição gerada automaticamente Uma imagem contendo veículo militar, transporte, caminhão, homemDescrição gerada automaticamente

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Minha história em Angola

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Em 1992 recebi um convite do meu grande amigo e ex-comandante do 1º batalhão de forças especiais, coronel Vitor Motta, para irmos trabalhar em uma empresa no exterior, a reunião foi realizada em um escritório no bairro Botafogo RJ às 8 h da manhã, nós éramos 15 candidatos Forças Especiais da reserva, esperamos até às 18h. Com isso três candidatos desistiram, Waldeci, Jesus e Santiago, pois estávamos ali por 10h e foram embora. O coronel nos atendeu às 19h, entendi que aquela espera já foi um teste de paciência e mesmo que eu tivesse que esperar por 10 dias eu esperaria, pois, se coronel Motta nos chamou é porque ele confiava em nós e eu precisava muito daquela oportunidade, naquele dia minha vida mudou completamente para melhor. O país era Angola na África e eu e o Barbosa (12) fomos incumbidos de montar a primeira equipe. Eu o 12, e mais 10 homens, que com o passar do tempo chegamos a 70 homens expatriados. Na minha chegada em Angola, pude comprovar que tudo aquilo que se falava da África era mentira, na verdade as coisas eram bem piores. Na saída do aeroporto em Luanda (capital de Angola) via as crianças lutando por comida, e os soldados batendo nelas com as armas como se estivessem batendo em cachorros. Vi algumas aeronaves caídas na lateral da pista de pouso, e fiz um comentário com o 12:

-Estamos dentro do filme Mad Max “Além da Cúpula do Trovão” e logo vamos encontrar o Mel Gibson por aqui.

A nossa passagem em Luanda foi rápida e logo embarcamos com destino a uma província chamada Lunda Norte “terra do diamante em Angola”.

Assim que chegamos no projeto Luzamba aconteceu uma corrida a distância era de 8 quilômetros, na minha vida militar sempre fui atleta, então essa distância não era novidade, porém nunca tinha ocorrido em grande altitude, logo que largamos eu sentia muita falta de ar, mas procurei manter o ritmo, um corredor em inglês assumiu a liderança e procurei acompanha-lo de perto, mas não consegui ultrapassa-lo conclui o percurso em segundo lugar, durante a premiação chamei uma criança e ofereci o troféu que havia ganhado em nome da amizade Brasil-Angola, foi o momento muito emocionante.

Quando começamos a trabalhar havia um grande desvio de produção de diamantes, ao contrário do que as pessoas pensam um diamante é muito pequeno por isso facilmente escondido em qualquer parte do corpo, inclusive podendo ser engolido. O Coronel Vitor Motta me chamou e me pagou uma missão, de me filtrar no meio dos trabalhadores e levantar quem eram os trabalhadores que desviavam os diamantes, logo na primeira semana eu trouxe nomes, dólares e diamantes desviado, foi um grande trabalho conseguimos diminuir drasticamente o desvios de diamantes e isto causou grande problema, pois sem roubo as pessoas que eram envolvidas e logo criaram um uma grande confusão, que iniciou com o Barbosa eu e o Maciel, por medida de segurança o coronel Vitor Motta resolveu nos tirar do projeto por um tempo, e nos mandou para Luanda, fazer a segurança do diretor da E.N.D.I.A.M.A. (senhor Noel Baltazar) ficamos lá por 3 meses, neste período nos treinávamos todos os dias, se sempre passávamos no hotel de transito que ficava ao lado de uma base do líder da guerrilha Jonas Malheiro Savimbi. Certa vez quando eu cheguei da corrida e vi o Savimbi chegando com sua comitiva em sua base, nos olhamos por alguns segundos ele tinha olhar perfurante e essa foi a primeira e última vez que eu vi pessoalmente. Por fim as pessoas que criaram confusão foram demitidas e retornamos ao projeto. Nesta época tínhamos muitos problemas, mas, nenhum era comparado a guerrilha da UNITA (União Nacional para Libertação Total de Angola) que lutava contra o governo. A guerra era bem pesada a ponto de se usar tanques de guerra modelo BMP-1, e aviões de caça modelo MIG-29, armas como metralhadoras RPK, PKM, fuzil AK-47, lança foguetes RPG-7, todo armamento de origem Russa. Tivemos vários tipos de problemas, mas, neste ano (1992) o país passava de por uma trégua de paz para a realização das eleições diretas sendo os dois maiores candidatos, José Eduardo dos Santos (do partido MPLA) e Jonas Malheiro Savimbi (comandante da guerrilha UNITA). No final das eleições a guerrilha perdeu, e resolveu voltar à guerra de novo. Houve grande confusão em todo o país e nesta ocasião eu me encontrava em Luzamba, e só para variar como tudo para mim é sempre mais difícil, a guerrilha tomou o projeto fazendo todos prisioneiros.

Uma tarde eu me encontrava no alojamento me preparando para o serviço noturno quando ouvi alguns amigos conversando e apontando um grupo de aproximadamente 30 homens da UNITA fortemente armados se deslocando em direção a segurança do projeto e que logo começaram a disparar as suas armas, AK-47, RPK, Granada de bocal, e RPG-7 “lança Foguete”. Foi um grande desespero, pois, nesta época a segurança não podia trabalhar armada devido ao tratado de paz, as nossas armas ficavam armazenados em sala de armamento e só eram distribuídas para as pessoas que estava de serviço. Houve uma grande confusão onde eu e um grupo corremos em direção ao rio Quango, para fazermos uso de uma balsa que lá se encontrava para atravessamos o rio.

A guerrilha já havia pensado nisso e destruído a balsa.

Todo o projeto era protegido por cercas em forma de espiral onde vi muitas pessoas no desespero se rasgarem por completo nas cercas, na tentativa desesperada de fugir do fogo cruzado. Foi então que um de nós apareceu com um pedaço de madeira amassamos a cerca e fugimos em direção ao rio. Ao chegarmos à margem e como a balsa já não estava lá, reuni o grupo que estava comigo e tomei a decisão que todos atravessaríamos o rio a nado, que media de largura mais ou menos 80 metros. Este rio além da largura é claro tinha também jacarés e hipopótamos, sem contar a correnteza. No dia anterior um agente chamado Célio 07, tinha visto uns jacarés comerem um carneiro que havia caído no rio, e começou a gritar não dá para atravessar, pois, o rio estava infestado de jacarés, porém a UNITA que se encontrava em uma parte alta do alojamento continuava a disparar sobre nós. Falei então:

-Não temos outra alternativa que não seja a de atravessar o rio ou morremos aqui.

Isso era 17:30 horas e na selva a noite cai muito rápido, contei os homens num total de 12, perguntei se alguém não sabia nadar, e o primo do Marciel disse que não sabia. Respondi então tudo bem você vai comigo e deixei que todos partissem na minha frente e em seguida fui atrás rebocando o tal rapaz e quando chegamos no meio do rio, um dos agentes chamado Skill, havia guardado o seu chinelo de dedo dentro da sua bermuda, que devido a pressão da água acabou soltando do seu corpo. Isto aconteceu justamente na frente do Célio 07 que imaginou de imediato que fosse a cabeça de um jacaré e logo começou a gritar:

-Cuidado com os jacarés eles estão nos atacando!

O desespero foi total e para piorar um pouco a situação o irmão do 12 (Barbosinha) descobriu no meio do rio que também não sabia nadar e começou a gritar pelo meu nome, que mesmo carregando uma pessoa lutei desesperadamente para tentar pegá-lo, mas, na verdade quem o socorreu foi o Skill e o Marcelino 70. Eu já estava totalmente exausto quando o Gra veio e me ajudou a socorrer o primo do Marciel. Depois de algum tempo conseguimos chegar à outra margem e logo escureceu e o silêncio da noite tomou conta do ambiente, ficamos parados por algum tempo imaginando o que teria acontecido do outro lado, pois, no projeto havia aproximadamente 2.000 pessoas de várias naturalidades, inclusive meu pai. Resolvi então que eu voltaria a nado para o outro lado para saber o que tinha acontecido, porém neste intervalo o meu amigo Robertinho apareceu na outra margem e começou a chamar pelo meu nome, que logo respondi. Ele então disse que podíamos voltar, pois, todos estávamos prisioneiros, mas, a UNITA não nos queria fazer mal. Pedi então para que ele providenciasse alguma embarcação, pois, o rio continuava infestado de jacarés e hipopótamos e não teríamos a mesma sorte 2 vezes. Ele improvisou então uma balsa que nos retirou do outro lado. Quando lá chegamos pude observar o grande estrago que a guerrilha tinha feito no projeto durante a nossa fuga.

O Pinheiro 18 se separou do grupo, e por meios próprios tentou atravessar o rio e como a correnteza era muito forte, o arrastou até um galho de árvore que ficava no meio do rio. Ele se agarrou nestes galhos e lá permaneceu até o outro dia pela manhã quando foi localizado e resgatado. O Marcelino 70 que também estava em fuga comigo lembrou-se do seu violão de estimação que havia ganhado do seu tio Bola, e neste momento em meio ao tiroteio voltou ao alojamento para resgatar o instrumento, mas, logo dei a ideia de esconder o violão em meio ao mato e assim que pudesse, o apanharia de volta. Esta situação durou 5 dias, e no dia seguinte eu, Maciel e Ferreguete ocupamos a torre de comunicação do aeroporto. Começamos logo a fazer os contatos com as autoridades brasileiras a qual nos mandou 2 aviões Hercules para retirar o pessoal daquele local.

Nesta hora estávamos na torre fazendo contato com estes aviões, e dois capitães, Luis e o Salomão, entraram na sala de controle e disseram que estavam assumindo o controle e respondi:

-Então tudo bem, mas, eu já fiz o contato com os aviões que estão vindo nos resgatar e tivemos que iluminar a pista com latas cheias de areia e óleo diesel aceso, pois, já era noite e não tínhamos mais eletricidade.

Devido a grande tensão a que passávamos, o capitão Salomão chegou chorando e me pediu para que eu assumisse a situação novamente, pois, ele já não tinha mais condições psicológicas, mas, na verdade ele já estava com a doença do arame farpado, esta doença se manifesta quando as pessoas estão longe das coisas que gostam e os seus sintomas são os seguintes: a pessoa se isola em um canto, fica cabisbaixo, sem querer conversar com ninguém, não quer mais tomar banho, fazer barba e não tem mais fome, o medo vira pavor, e a única forma de salvar esta pessoa e tirá-la imediatamente do local aonde ela se encontra, a medicina conhece essa doença como depressão.

No ano seguinte a Brigada Paraquedista lançou um livro em homenagem aos 50 anos de paraquedismo no Brasil, onde consta o nome e o número de todos os Paraquedistas formados no Brasil, e lá também se encontram algumas histórias da época. O Capitão Luis e Salomão aproveitaram o conhecimento que tinham na época com o General da Brigada, para escrever a nossa história neste livro que foi intitulada como Urutu em Luzamba, história esta que eles contam que eles foram os heróis, mas, na verdade, quem realmente operou na missão fomos nós e o Coronel Motta. Eles simplesmente ficaram esperando o resgate do avião. O Capitão Luiz somente fez contato com a aeronave quando ela estava sobrevoando o projeto, contato este que eu já havia feito.

Os aviões não chegaram naquela noite e sim na manhã seguinte.

Os guerrilheiros invadiram o avião para verificar se não havia tropas de combate, e em seguida nos liberou para começarmos a operação de evacuação dos trabalhadores. Toda a coordenação de embarque ficou a meu comando, pois, o comandante do avião me passou a ordem de embarcar no máximo 150 passageiros.

Coloquei todos então em fila indiana e comecei o embarque, fiz um corredor humano com a segurança onde os trabalhadores tinham que passar no meio e lhes era retirado toda a bagagem, para que eu pudesse embarcar um pouco mais de pessoas que era num total de aproximadamente de 180 pessoas, todos em pé como se fosse o metrô das 6:00 horas da manhã. E assim foi durante três dias consecutivos até que retirássemos todos os trabalhadores, e o último avião embarcou toda a segurança.

Os três últimos a embarcar na aeronave foram o Doutor Alexandre Rocha, Coronel Motta e Eu, porém o comandante da UNITA pediu para que nos três desembarcássemos do avião, e ordenou que um guerrilheiro com um lança foguete (RPG-7) se deslocasse para a cabeceira da pista e ficasse em posição de disparo, e nos fez a seguinte pergunta:

-Vocês acreditam em Deus?

Respondemos todos que sim, e ele então falou:

-Pois muito bem, quando as pessoas morrem, acredito eu que as que acreditam em Deus vão para o céu, e as que não acreditam vão para o inferno.

Em seguida apertou nossas mãos, pediu para que embarcássemos e liberou o avião, fizemos então uma corrente de oração no interior da aeronave e Graças a Deus o guerrilheiro que estava na cabeceira da pista não fez o disparo contra a aeronave.

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Evacuação do território da UNITA.

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O destino era Luanda, mas, como os combates lá estavam intensos fomos desviados para Namíbia, e quando lá chegamos devido a alguns de nós não termos passaporte, tivemos que de imediato retornar ao Brasil.

Ao chegar aqui tive uma boa sensação, e fui recebido por todos os meus familiares, e no dia seguinte fui capa do Jornal o Dia que contou parte de nossa história.

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Capa do Jornal “O Globo” – Novembro de 1992

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Toda esta confusão se iniciou no dia 28 de Abril de 1992 onde permaneci até dia 25 de Novembro de 1992, passei cinco dias no Brasil, e retornei para Luanda onde fiquei mais seis meses, certa vez um dos trabalhadores Brasileiro veio a falecer de infarto e por esta pessoa ser muito conhecida causou uma certa baixa no moral das pessoas que ali trabalhavam, estávamos reunidos falando do assunto, quando de repente o Marcelino 70 levantou e disse a seguinte frase: meus amigos quem não tem um passado olímpico, morre mesmo, um olhou para a cara do outro e apesar da tristeza com a perda do amigo, todos deram uma imensa gargalhada.

Retornei para angola de janeiro de 1995 a 1996 no projeto Catoca também como pioneiro, a equipe era composta por Barbosa, Júlio Cesar, Venturi e eu. Em 1999 a 2001, retornei para o projeto SDM, e em 2018 estive em uma empresa de segurança chamada S.I.R. localizada em Luanda.

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