Estórias de Cada Um

BARROS

PROJETO LUZAMBA- versão 2

Desde o 11 de setembro de 2001, este século passou a ser chamado o século da segurança. Planos de contingência e backups extensivos dos negócios etc. passaram a ser o normal de qualquer empresa, no intuito de salvar vidas e patrimônio, objetivo maior da Segurança Orgânica.

Os aspectos psicológicos envolvem decisivamente o tema segurança, dentro de sua larga abrangência. Nada mais atual, ao observarmos o impacto das Operações Psicológicas, exercido sobre todos nós, nestes tempos de surto pandêmico, com as consequentes e intermináveis guerras de narrativas midiáticas. Tudo gerando as mais nova fobias sociais: o chamado FoGO(Fear of Going Out), ou Medo de Sair; e o FoMO(Fear of Missing Out), ou Medo de Perder Algo. E até mesmo, no contra-fluxo, para se libertar de pressões, outros hábitos, como o JoLGO(Joy of Letting Go), ou Alegria de Deixar Rolar. Tudo isso nos dá a dimensão de como o psicológico norteia nossas relações com a segurança, com seus consequentes impactos no cotidiano.

Além disso, constatar que Segurança é responsabilidade de todos, é princípio básico para entendermos com mais profundidade a vivência no Projeto Luzamba. Saber fazer a leitura correta do ambiente em que nos encontramos é fundamental para nossa segurança.

Isso, em conjunto, nós conseguimos fazer e, por isso, cá estamos, escrevendo este livro, sem baixas a lamentar.

Soubemos, como grupo, perceber o povo e suas histórias e idiossincrasias, na área geográfica em que nos encontrávamos. Região de seculares e nativas guerras tribais, foi depois colonizada por europeus que, apesar dessas naturais tensões de ruptura e fragmentação entre povos, os aglutinaram e delimitaram como nação. Surgem mais tarde os movimentos de libertação, nas décadas de 60 e 70, no auge da Guerra Fria, o que motivou o surgimento de variadas frentes, dentro de um quadro de Movimentos Revolucionários, patrocinados por distintos atores, que apenas deram uma tintura ideológica às naturais tensões pré-existentes. Vencida a luta inicial contra o colonizador, voltam essas tensões, na luta pelo controle do Estado recém-independente e inicia-se a fase da guerra civil, desastrosa para um país com tremendo potencial econômico. Ao final dos anos 80, advém uma trégua.

É aí que surge o Projeto Luzamba!

No meio de toda essa ambiência, nesse tenso período de rescaldo da guerra, estávamos nós. Ou seja, num meio ainda hostil ao homem desconhecido. Podendo ser sempre vistos como novos colonizadores, com outras roupagens. E aí, vencemos a nossa primeira grande batalha, trabalhando, com muita garra, mostrando aos locais toda a grandeza que eles poderiam alcançar, num processo muito forte de educação, capacitação e treinamento. Na área de segurança montamos uma verdadeira escola, trabalhando os conteúdos específicos, selecionando os lideres e preparando a todos diuturnamente. Como nas demais áreas, adotando também o “on-the-job training”, sempre ensinando aos angolanos, propiciando o seu envolvimento, com feedback sempre positivo. Esse processo de desenvolvimento, visão de futuro da organização e do indivíduo, os líderes da Odebrecht o carregam “na veia”, inculcado pela TEO. E era propósito definido pela empresa, em Angola. Isso tornou mais fácil e rápido o contágio, através das lideranças, para toda a força de trabalho do Projeto. Com a grande responsabilidade de nosso pessoal de RH, nesse incentivo à motivação para o desempenho, através de diversos trabalhos e iniciativas implementados, balizados pela competência de excelentes consultorias externas. Tudo isso contribuiu decisivamente para a conquista natural de “corações e mentes” para o propósito do Projeto, de trazer a prosperidade para todas as comunidades do entorno, grandes beneficiárias do progresso, com uma projeção de padrão de qualidade de vida bem superior ao então vivido. O trabalho executado junto a essas comunidades foi sensacional, primeiro porque natural, feito com amor, com doação, por isso frutificando. Foi assim viabilizado um cinturão de segurança, modificando comportamentos dessa população em relação ao Projeto. Importa recordar que adequar a empresa ao entorno é princípio mandatório para a segurança de qualquer grande projeto.

Outro aprendizado foi observar o comportamento das pessoas. Aprender a ver, ouvir, falar e mesmo pensar, sempre com empatia, entendendo as diferenças. Para nós, da Segurança, isso era primordial, já que nosso objetivo era a preservação da vida de todos. E o escalar de crises, diversas vezes, assim pôde ser evitado, pela maturidade e experiência do nosso pessoal, em, rapidamente, promover esse aprendizado. Nossa primeira grande lição foi num evento de distribuição do kabaz. Tudo transcorria normalmente. Havíamos checado todo o processo. O pessoal encarregado da distribuição já estava a postos, pronto para o evento. A fila começava a se formar e nós, num último “briefing embaixo da asa”(como dizemos, no pára-quedismo), nos preparávamos para ocupar as posições designadas. De repente, chegam caminhões e, do primeiro, desce um grupo, bastante exaltado. Quase correndo, e gritando, dirigiam-se ao centro do dispositivo montado para a distribuição. Imediatamente, nos posicionamos em linha, bloqueando o acesso deles, que começaram a nos insultar. Confesso que, naquele momento, lembrei-me de minha entrevista com o Buchanan, no Rio, no prédio da Glória, da Odebrecht. Exatamente quando me descreveu o ocorrido com ele, também na distribuição do kabaz. Felizmente, tive uma centelha de iluminação, dei dois passos atrás, puxei o Bomfim e designei um dos angolanos à nossa frente e disse para tentar tirá-lo do grupo, afastando-o, para que lhe explicasse o que ocorria e o que eles queriam. E assim fiz com cada um de nosso grupo. Foi um efeito quase miraculoso. O tumulto que estava em formação, centelha para uma escalada de crise, foi rapidamente neutralizado e desmobilizado. Só faltou sairmos abraçados com eles. E foram para a fila, depois de terem descarregado suas tensões e reclamações, com cada um de nós. Havíamos aprendido uma grande lição que logo evoluiu de lições aprendidas para o nosso repertório de melhores práticas. Solução aparentemente simples, mas que se mostrou muito eficaz na pacificação de ânimos exaltados. Descobrimos assim a paixão com que os angolanos debatem e discutem, parecendo para nós que estão prestes a usar a força física. E que, em grupo, isso cresce exponencialmente. E, descoberta posterior, essa paixão na discussão é bem maior e mais agressiva, quando os envolvidos são do sexo feminino.

Outro ponto alto foram as Comunicações, nervo exposto para a Segurança, num projeto de tamanha envergadura. Foram geridas com muita competência, o que trouxe uma integração de nível excelente, com nossas demandas sempre atendidas. Digo isso com a experiência de quem havia trabalhado com o equipamento mais moderno do mundo, no ano anterior, na área de cinco países centro-americanos, onde a vida dos observadores militares dependia essencialmente das comunicações. Só para sentirem o nível de excelência de Luzamba.

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Fator muito importante em nossas relações com o entorno é que as operações de segurança são sempre balizadas pelo emprego progressivo da força, através das chamadas Regras de Engajamento, o que foi preocupação constante em todas as operações desencadeadas contra garimpeiros, na área do Projeto. Nesse aspecto há que ressaltar também a atuação dos cães, contribuindo decisivamente para o ajustamento às Regras de Engajamento. Era sempre sucesso total! E, por isso, a lastimar, a perda deles.

O último tópico refere-se, exatamente, a uma específica operação contra o garimpo ilegal. Hoje, à distância no tempo, podemos constatar que fomos testados, algumas vezes. Nossa situação era muito peculiar, dentro daquele momento vivido. Estávamos em um Projeto com a ENDIAMA, Empresa do Governo, mas dentro de uma área contaminada pela guerra civil, ainda latente. Isso, obviamente, exigia cuidados em qualquer contato externo. Nessa citada ocasião encontramos, realizando o garimpo ilegal em nossa área, cinco soldados, fardados, de forma acintosa e mesmo provocativa. Foram presos e transportados para a nossa área da segurança, onde foram registrados e interrogados, pelo Bomfim, nosso encarregado pelas Informações. Há que ressaltar, neste episódio, a conturbada e extensa negociação havida com o Atandele(o famoso e exímio piloto dos loopings e demais manobras de risco com o Alouette III), pois este se negava a conduzir os prisioneiros. Demos conhecimento das prisões ocorridas ao Delmar, informando da presença dos homens em nossa área. E aí ele nos orientou a buscar o contato com o representante da facção na região e que entregássemos a ele os seus homens. O que fizemos, com muito respeito aos procedimentos legais e com cortesia com aquele representante.

A busca de informações era uma preocupação constante, exatamente tentando entender o complexo ambiente em que estávamos imersos. Mantendo o foco da Segurança sempre na missão maior, a manutenção de um ambiente que viabilizasse o bom andamento de todos os processos, com particular atenção para os finalísticos, do Projeto Luzamba, preservando vidas e patrimônio.

O resultado natural do trabalho, em larga frente, de todas as lideranças do Projeto, foi o alinhamento obtido, que possibilitou engajamento, produtividade e qualidade. E, ao final, a sinergia, essa grande conquista e legado de um exemplar Projeto, do qual todos nos orgulhamos. Prova disso é o que testemunhamos agora, nesse despertar do Luzamba dentro de nós, depois de 30 anos.

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